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Em março o vento subitamente mudou. Sobre a ilha pôs-se a alastrar uma cortina de pó tão espessa que por ela se podia olhar diretamente o sol. O ar tornou-se insuportavelmente seco e sujo, cansando e ferindo o pouco verde dos catos e dos arbustos, entre os quais se via o sulco e às vezes o corpo dos lagartos negros que aí habitam.
Lanzarote ficou coberta por essa neblina de africanas areias durante um mês. Os naturais não sabiam a que santo ou a que deus suplicar, ou com que demónio negociar, o fim da provação. Não faltava quem predissesse que todos acabariam sepultados, vivos ou mortos, debaixo do tenebroso e prolongado calima que não dava mostras de terminar.
Um eremita de nome Hilário, já no fim da sua vida, disse:
– Abençoada é esta terra, pois nem aqui o mal tenteia as suas raízes!
Havia nas palavras de Hilário orgulho e amargura. Cinquenta anos antes havia ele plantado uma figueira e nela não colhera um único fruto. Velho, embrulhado em andrajos, feito de pele e osso, insistiu:
– O diabo tem medo desta ilha. Aqui os vulcões limpam com fogo e lava as avarentas coisas dos homens, as areias lavam os olhos cobiçosos, o sal extermina o que possa sobrar dos nossos pecados.
De novo se percebia júbilo e tristeza na sua fala. Os que os escutavam, porém, asfixiados pela nuvem vinda do deserto, não sabiam escolher se tamanha era a maldição de se ser puro, se enorme a fortuna de se ser desgraçado.