Raffaello Sanzio – A Sagrada Família com cordeiro, 1507
.
Pelas mãos do Dr. Paul Gilbert passaram vezes sem conta os manuscritos descobertos nas cavernas de Qumran, perto do Mar Morto, e também os papiros encadernados em couro desenterrados em Nag Hammadi, ou os que se acharam no túmulo de Jebel Qarara.
É universalmente reconhecido como um dos maiores especialistas da Bíblia massorética, uma autoridade na leitura (das diversas versões) dos evangelhos canónicos e dos apócrifos, autor de inúmeros ensaios que se tornaram uma referência no mundo académico (por exemplo esse best-sellerA verdade ou a sombra dela nos Evangelhos Gnósticos, dado à estampa não há muito tempo publicou pela The University of Chicago Press).
Resta acrescentar que domina o aramaico, o hebraico, o grego (incluindo o dialeto koiné) e o latim, entre outras línguas antigas de que a civilização se vai desapegando. Não fosse a unânime aclamação, seria alvo certamente da nossa inveja mais grosseira.
Ao Dr. Gilbert confiaram o texto agora mesmo vindo à luz do deserto nas montanhosas imediações do Mosteiro de Santa Catarina do Sinai. É um documento antigo (plausivelmente dos séculos III ou IV, porém, e com grande pena da comunidade científica, pouco preservado, que contém frases enigmáticas escritas em copta.
“Enigmáticas” é dizer pouco. Talvez “controversas” fosse adjetivo mais apropriado. O Dr. Gilbert suspeita tratar-se de um novo evangelho, que em breve há de nomear e dar a conhecer ao mundo.
Eis um trecho em que concentrou a sua atenção.
«…e então, o menino alegrou-se. E Maria alegrou-se com ele e também José se alegrou e as servas. Da fonte brotava um manancial de água fresca onde vinham as aves do deserto saciar-se da sede. Dela beberam Jesus, Maria e José, os servos e as servas, as alimárias e os outros animais.
Havia por ali algumas figueiras com os seus frutos. Tendo-os visto Jesus, a uma trepou sem conseguir alcançá-los, e posto que se desequilibrou e caiu e magoou, chorando pelo sangue que aflorava à palma das mãos, José – cheio de bondade – o levantou e consolou, lavando com a água da fonte as feridas e pondo sobre elas a sua saliva para as cicatrizar.
Maria, que a tudo assistiu preocupada, considerou como José, seu esposo, era um bom pai, amigo do menino, e de si e dos servos e servas, temente ao Senhor, e generoso nos pequenos gestos que fazia. E, assim cogitando, secretamente se regozijou como mãe e esposa e mulher, e pôs em José, apesar de a sua idade ser distante já da juventude, todo o seu amor…»
O Dr. Paul Gilbert releu cada uma das frases traduzidas. Teme tê-las traduzido mal. Encontra nelas uma porção maravilhosa de heresia e de amor. Quem terá composto semelhante discurso? Que amor é esse que tão confusamente se insinua?
No seu íntimo, Paul rejubila: estas palavras são uma lufada de ar fresco no corredores bolorentos em que se acamou ao longo dos séculos a piedade mística de Maria.
Vem-lhe à memória a História de José, o Carpinteiro, narrada pelo próprio Jesus. Um bom homem, um pai ancião que morreu aos cento e onze anos e cujo corpo jamais seria tomado pela podridão. Tê-lo-ia amado a jovem Maria de um modo humano, aprendido com os anos, com a maternidade e com o sofrimento?
O Dr. Gilbert lê e traduz. O papiro é fragílimo. Sente vertigens, quase, de lhe tocar!
Não há gosto que mais me anime do que rir com vontade. Nestes débeis intervalos de entre-inverno-e-primavera deu-me para remexer na papelada do avô. Já antes o havia dito, é um dossiê muito baralhado de ideias, mas cheio de realismo e de graça.
Dou por mim a partilhar outra das suas histórias.
•
Leitor, e se nos aprouvesse contar num livro a História Universal das Bebedeiras? Nele teria de constar, evidentemente, a carraspana célebre de Noé, o condutor da Arca. E também as borracheiras em que se deixaram apanhar, tanto como Hércules como Sansão, dois desgraçados cheios de força e pouco juízo. E também as cardinas de Li Bai e de Rumi (não sei se mais fabricantes de poesia, se bebedores de néctar de Baco). Convinha que, igualmente, as do meu cunhado Francisco (precocemente reduzido à condição de ex-motorista, após terem confiscado a licença que lhe permitia conduzir o camião e a semi-trailer – “semitrel” como ele dizia – e tudo por se obstinar a fazê-los embater contra tudo o que fosse matéria dura e merecedora de estar em pé).
Grande ultraje seria – se não peco por imodéstia – não incluir nesse tratado as minhas próprias bezanas ao longo da formatura, uma em particular, quando etilizado em extremo me levaram aos cuidados de uma enfermeira amiga, que me disse “Ai, meu menino, tu és tão bonito, mas estás tão bêbedo”.
Mas isso, leitor amigo, isso são bagatelas se cotejadas com as digníssimas pielas da Mena e do Miro. Quem eram a Mena e o Miro perguntarás e com razão. Eram o mais bem-aventurado casal de alcoólicos que conheci nestes rugosos anos de vida e de que vale – de que vale muito – ocuparmos esta pena por alguns instantes.
Ela, Maria Filomena Rodrigues Feital, nascida em 16 de março de 1938, na freguesia de Antime, concelho de Fafe. Ele, Casimiro Manuel da Costa Fontão, nascido em 16 de março de 1938, na freguesia de Darque, nos arredores de Viana do Castelo. Terras excelentes as duas, paróquias de muitos devotos cristãos e boa maternidade de ilustres e incontáveis ébrios e ébrias.
Não será de pouca monta a coincidência ou a simbologia da data em que os viu o mundo pela primeira vez. Investiga, leitor ocioso, e sabê-lo-ás.
Nem o terem-se conhecido na Feira de Barcelos, numa tenda de cacaria. Havemos de convir: que melhor prenúncio de vida a dois do que comprarem para enxoval um cantarozinho pintado?
Gostaram um do outro, casaram, nunca tiveram filhos. Entendiam-se como o vento e o fogo, especialmente à quarta-feira quando mergulhavam na Tasca da Porcina e logo o aroma do fígado frito em cebolada os agarrava a ambos pelo colarinho e os obrigava a sentarem-se a uma mesa lá no canto, à beira dos presuntos pendurados.
Era uma romaria de beberrões. Entrava-se, encomendava-se a broa, as azeitonas, o fígado frito (o dita da cebolada ou, em lugar dele, o bacalhau – desfiado cru, assado às postas, frito com ovo) e pedia-se, sobretudo, a vinhaça.
Berrava o Miro pelo par de quartilhos:
– Venham dois: um pra agora, outro pra depois!
Era a sua maneira de começar, a sua frase de guerra. E chegava a vinhaça, a vinhaça magnífica que fazia espumar canecas e tingir as malgas.
A Mena, cheia de sede, gostava que ele enchesse até cima. Só dizia “bonda!” quando o líquido atingia os beiços esbotenados do barro. Dava um beijinho à tigela, acariciava-a um pouco sobre a mesa de pinho antes de a erguer com jeito. A seguir punha-se a incliná-la sobre os seus próprios beiços arreganhados e, zás, descia tudo goela abaixo num abrir e fechar de olhos. A Mena regougava, dava com a língua estalos de aprovação, atirava para o lado a contrassenha blasfema:
– Se este é o sangue de Cristo, bendito seja quem no matou!
Nunca a Mena teve forças para trabalhar. Jamais o Miro atinou com emprego que pudesse manter por muito tempo.
Andou pelas fábricas têxteis, mas enganava-se muito nos fios. Carregou a massa das betoneiras, mas estorvava nas obras. Nos talhos ninguém lhe dava emprego, que afiados são os cutelos e magros os dedos são. Somente na terra, na poética lavoura, arranjava ele serviço às vezes como jornaleiro, recebendo vinte e cinco, trinta, cinquenta escudos por semana, conforme o préstimo e a bondade do agricultor contratante.
O problema era sempre o mesmo. O Miro arava, abria valeiras, semeava e plantava, estrumava e sachava, mondava e colhia, mas a cabeça portava-se mal, a cabeça ardia-lhe como ferro ao sol. Exigia-lhe sumo de uva a toda a hora, tanto dele no bucho como de ar nos pulmões.
Foi assim que uma vez se voltou sem mais nem menos para a Dona Antoninha, a fidalga da Luz, e com ar sofrido lhe rogou:
– Ó minha senhora, pelas almas! Dê-me um copo de vinho, que eu já não me tenho em mim…
Era um escândalo.
O Miro sorvia ruidosamente o copo alto, a malga funda, a caneca bem medida. Era como se morresse à míngua, como se comesse vinho, os queixos muito sujos, a barba ensopada, a camisa sarapintada de nódoas. Bebia rubro do esforço, vermelho da secura.
Daí para a frente era o desastre. A fidalga vociferava:
– Aquele homem põe-me a alma no inferno. Aquele homem só faz bordel…
“Fazer bordel” era o mesmo que trocar sementes, esquecer a ferramenta no meio dos campos, deixar a água fluir pelos canais errados, não trancar a porta da pocilga. Pior, muito pior do que isto, era pregar sustos à fidalga.
Leitor atento, queres exemplos, não é assim?
Hesito qual deles dar-te, visto que não foram poucos os que testaram a paciência da pobre senhora. Talvez este caso, que é de boa índole. E se dentro dele escutas já o assobio do Miro, não julgues que a Mena ficou de fora.
Em agradecimento de certo obséquio que realizou o fidalgo a gente de fora da freguesia, ofereceram em vésperas de S. João um anho a Dona Antoninha, para o assado.
Foi o bicho posto nas catacumbas do solar, preso numa corte feita de improviso, à espera que lhe dessem um destino. Precisavam de alguém para o matar e de alguém para o esfolar, dado que nem as criadas da casa conseguiam isto, nem os criados estavam para aquilo. Chamaram, portanto, o Miro e a Mena.
O animal era muito bonito, coberto – como não podia deixar de ser – pelo lanoso macio de todos os espécimes da sua espécie, balindo a todos os que lhe afagavam o pelo como a pedir misericórdia, igual a uma figura de presépio.
A Menina Constança, a fidalga mais nova, afligia-se. A Menina Rita, a fidalga mais velha, afastou-se para não ter de olhar e ouvir. As criadas amparavam mal as lágrimas, de tal modo a cena metia dó. Apenas o Miro, que havia emborcado um par de cálices de vinho do porto e outros tantos de aguardente, parecia saber o que fazer – ele e a Mena, que afiava as facas e tinha já duas panelas com água a ferver e um alguidar grande de barro com rodelas de limão.
– Segura-lhes nos cornos, Miro!
– O rais ta parta, Mena. Este peludo tem cornos, por um acaso?
O Miro desferiu-lhe uma marretada na cabeça, que assim se matavam os anhos. O animal tombou. Estava feito! Dona Antoninha, vencendo a relutância, espreitava do eirado. A Mena arrastou-o, deixou-o junto do alguidar, porque queria acabar de amolar as facas. Mas eis que num ápice o anho se levantou e se pôs a barregar outra vez.
– Ai, meu Deus! – berrou a fidalga.
– Ai, meu Deus! – afligiram-se as criadas.
– Ai, meu Deus! – disse o Custodinho, neto da fidalga, que nessa altura estudava no Seminário de Braga e tinha vindo para a missa da solenidade de S. João Batista.
A Mena, já muito emperrada na voz e com os olhos a luzir, disparou imprecações contra o matador incompetente. O Miro, sem se importar com a consternação geral, emendou a mão e acabou à segunda o serviço.
– Ó minha senhora, não se aflija! Não se aflija, digo-lhe eu! Estes bichos são mesmo assim, tanto estão mortos, como estão vivos…
Sei de fonte lídima que não se anho assado nessa ocasião no solar da Luz, tamanha foi a repulsa e tão grande a lembrança do bicho morto-vivo.
Foram os serviços do Miro e da Mena dispensados, com natural azedume e muitos ralhos à mistura.
Se a consciência e o sentido da justiça tivessem imperado, havia a fidalga de arrepender-se e pedir desculpa ainda por cima. Cá reza o povo, e com bastante arrimo da verdade, que “Tanta culpa tem o bêbedo como o taberneiro: se um é o lume, o outro é o fogareiro”.
•
Está a história pouquíssimo rabiscada no caderno do avô, redigida num estilo, no itálico da sua caligrafia habitual. Data não tem, fundo de verdade talvez tenha. Pergunto-me amiúde porque nunca os terá publicado, se tão melhores são que os meus!
Esta é uma autoestrada que Ole Henriksen conhece bem.
Sobe e desce a E6 muitas vezes ao volante do seu Scania V8, um camião poderoso de 770 cavalos, atravessando (como agora) túneis pacientes em paisagens montanhosas, pontes ultramodernas sobre abismos azuis, florestas a perder de vista, cobertas boa parte do ano pela neve e por espinhos de gelo, mas também aldeias pitorescas cheias de cor, entre cidades grandes, frias e incaracterísticas, atravessando, enfim, a sua própria memória, repleta de vislumbres e de ecos e de vozes.
Viajar viaja-se de muitas maneiras sabemo-lo todos. Ole sabe-o mais do que nós.
De Trondheim a Oslo são seis horas e meia bem contadas, quinhentos quilómetros para sul, a que se seguirão outros quinhentos em sentido oposto, sem distrações, para transportar tudo aquilo que a espécie humana consegue decompor, embalar, vender e possuir dentro de quatro paredes.
Hoje, por exemplo, é responsável por uma carga de cerveja, toneladas e toneladas dela diretamente para um armazém da capital, que a fará distribuir (não tarda) pelos inumeráveis bares e restaurantes da Grünerløkka.
Ole nem sempre se desloca sozinho. O irmão Bjoern acompanha-o nos trajetos internacionais e não raro revezam-se na condução. Antes dele quem o fazia era Frigga, a mulher com quem casou e de quem se divorciou há não muitos anos.
Frigga era, sem dúvida a companheira ideal. Sabia gerir como ninguém o tempo de falar e o tempo de calar. Erguia no meio do nada uma narrativa, uma lenda, uma memória, uma frase pertinente. E possuía, além de olhos maravilhosamente bem feitos (cor de âmbar), uma voz sedosa, sem crispação e sem veneno. Nunca lhe escutou um ralho, um protesto, uma altercação. Frigga foi a melhor das mulheres e ele, digamo-lo nós sem rodeios, o pior dos maridos. E, por esse motivo, continua a amá-la e a aceitar o castigo penosíssimo de a não ter junto a si.
Bjoern, por seu lado, é um borrachão. Nas vésperas das grandes viagens, é necessário repetir-lhe regras, ameaçá-lo, fazê-lo dormir, vistoriar-lhe os bolsos do anoraque.
Portanto, a solidão não é muito má. A solidão enche-nos de pensamentos e os pensamentos, pese às tantas doerem demasiado, são o nosso modo de sobreviver. Acresce que no interior e no alto de um camião se pode captar, como pelo vidro de um ecrã, imagens que dificilmente se perdem nas anteparas da cabeça. Entre as imagens que aprendeu a valorizar, Ole aprecia o recorte acidentado dos lagos e dos fiordes, as linhas intermináveis de abetos, o dorso descarnado das cordilheiras do leste, especialmente no inverno, quando acima do manto espesso que nelas se acumula bruxuleiam as chamas verdes das auroras boreais.
Aprendeu a ver e aprendeu a escutar. Todas estas e muitas outras coisas em que não reparava vieram com Frigga, com a sua mania de as enfiar em versos.
Certa vez, perto de Esbjerg, na Dinamarca, brindou-o com esta observação:
– Que magnífica praia, Ole! As gaivotas assim todas poisadas parecem o nevoeiro à beira-mar, não parecem? Que estampa maravilhosa. Olha, estou mesmo a imaginar Hokusai ou Ohara Koson a pintá-la…
Para o motorista, as coisas não tinham de parecer-se com nada. Eram o que eram. Não se lhe afigurava muito sério que se dissessem as coisas como Frigga as dizia, sobretudo se por meio de palavras ritmadas, curtas, nada espontâneas.
Noutra ocasião, numa das encostas do Hardanger, saiu-se com uma ainda melhor:
– Para, para o camião, meu querido. Vamos encher os pulmões com o ar frio, enchê-los com o perfume daquele pomar!
Como podia ele parar o camião? As coisas na vida real passam-se de outro modo. Há compromissos, objetivos, prazos a cumprir. Encher os pulmões com o ar frio? Então, para que raio mantinha o ar condicionado naquela temperatura? Por quem, senão por ela, conservava a cabine do Scania tão esmeradamente cómoda, tão dedicadamente limpa, tão perfeitamente climatizada?
– Sabes do que me lembrei, Ole? De um poema de Kobayashi. É assim:
O brilho do sol. Na carne das cerejas um moscardo cai.
É um belo poema, não concordas, Ole? Dele ou de Bashô, já não sei ao certo… Mas é lindo! Não achas, querido?
Antes estas palavras soavam-lhe incompreensíveis. Agora já não. Ole Henriksen pensa que é espantoso ter permanecido tanto tempo na obscuridade.
Frigga amava a pintura, a literatura, a música, sobretudo as do Japão, essa exótica nação que ela queria visitar e ele nem por isso. Frigga sabia imensas coisas da civilização nipónica. Partilhava constantemente histórias de artistas, de guerreiros, de tradições, falava de flores, de árvores, de ilhas abençoadas. Reproduzia anedotas, mostrava-lhe gravuras do Fuji, aludia ao budismo, chegou a comprar e a aprender a dedilhar um shamisen. Oh, o som que saía daquela maldita viola!
Tudo isso o incomodava. Preferia que ela fosse uma pessoa normal, uma mulher mais igual às outras, capaz de proferir insultos, de comer fast-food, de aguentar em terra firme a cabeça sonhadora, capaz de o seduzir com insinuações animalescas, obscenas, escatológicas.
Ole fartou-se. Por culpa da sua estupidez, frequentou casas erradas.
Tudo isso regressa agora. O divórcio abriu devagar fissuras enormes, abriu em si como numa lona rasgões dificilmente reparáveis.
Agora que o sol passa, ele vê. Vê dentro de si moscardos entontecidos, cerejas rebrilhantes, o privilégio da ordem e da harmonia. Agora tudo é diferente. Os horários esvaziam-no, o ruído dos empilhadores irrita-o, a comida das estações de serviço provoca-lhe azia e náuseas. Agora tudo é diferente, embora demasiado tarde.
O primeiro haiku ocorreu-lhe justamente numa dessas estações de serviço, em Odda, no momento em que fumava no sítio exato (uma mesa de madeira, sob os troncos combinados de grandes bordos e plátanos) onde o fazia noutros tempos com a mulher.
Era outubro. A oxidação das árvores não lhe passou despercebida. Vieram-lhe à cabeça e depois à boca, quase involuntariamente, os três versos que reproduzimos:
O outono… Folhas de ouro e rubi crepitam no chão.
Espantou-se com o jogo de palavras. Depois de urinar à socapa, como gostava depois dos cigarros, repetiu a pequena composição em voz baixa, de si para si, e decidiu apontá-la num caderninho, apondo no final a data e o lugar.
Pouco tempo depois, registou um novo texto:
Cego inverno. Triste, a água congela nos olhos.
Ulvsvåg, 22/12/2014
Nesse precioso bloco de folhas foi registando outros poeminhas, que aprecia cada vez mais, que relê amiúde, que a espaços corrige. Não se julga senhor da técnica, mas anima-o a vontade de observar mais longe e mais fundo a natureza empírica dos elementos e de extrair dessa observação a voz de Frigga, como se em vez da sua fosse a voz dela a que dita os haikus.
Abril. Renascem bosques sombrios: a luz atravessa-os.
Brémen (Alemanha), 15/04/2015
•
Talhão de papoilas. O vento medroso brinca com fogo.
Carcassone (França), 10/05/2015
•
Se ouves o melro, rejubila. A tua alma vive.
Cantuária (Inglaterra), 21/06/2015
•
Pasmo jovem… Olhos e nariz rendidos à cizânia.
Essex (Inglaterra), 22/06/2015
•
A voz das ervas.
Os pássaros erguem-na
depois da chuva.
Dover (Inglaterra), 24/06/2015
•
Cinzas da luz. De manhã também em nós Se acende o riso.
Calais (França), 24/06/2015
•
Mantém na boca a beleza da noite. Vãs as palavras…
Antuérpia (Bélgica), 26/06/2015
Ole passou a registar com igual cuidado as palavras que lhe suscitam maior curiosidade e as que considera úteis para a sua escrita. Usa um velho dicionário escolar, onde sublinha a lápis o vocabulário mais apetecível. Dá por si a misturar termos e a lamentar que algumas palavras tenham mais ou menos sílabas do que as necessárias. Também se ofende bastante com a falta de rigor dos colegas de ofício, que estropiam a todo o instante o norueguês e o contaminam por tudo e por nada com empréstimos de outros idiomas. Ole considera muito criticável a preguiça, a mania, a ignorância dos motoristas profissionais em questões de língua materna.
Quanto à sua escrita, talvez decida publicar estas composições num livro. É algo de que se orgulharia, sim. Se o fizer, há de dedica-lo a Frigga, à sua Frigga, à laia de pedido de perdão.
Tristeza. O lago volta-nos as costas, a lua foge.
Mjellum/Mjøsa, 30/06/2015
•
Pensamentos. Água podre e estanque que urge vazar.
Trondheim, 18/08/2015
•
Prestes a partir, os últimos pássaros fecham círculos.
Estocolmo (Suécia), 20/09/2015
•
Silêncio. Ao longe chocalham as pedras da montanha.
Bolzano (Itália), 18/10/2015
•
Rio e mar drapejam o mesmo azul. Pulmões inchados.
La Coruña (Espanha), 20/10/2015
•
Abre-te na luz ou no escuro. Sê nu como um fruto.
Bilbao / San Sebastián (Espanha), 21/10/2015
•
Madrugada. A brisa espicaça a luz, meus olhos ardem
Oslo, 23/10/2015
No regresso a Trondheim existe um lugar bendito onde consegue, infalivelmente, descortinar outras variantes da sua poesia. Fica em Ler, um vilarejo no condado de Trøndelag. Sempre que na E6 se cruza com essa localidadezinha, vêm-lhe ao espírito as palavras meigas de Frigga.
– Sabes que na língua dos portugueses, Ole, o nome desta terra significar ler?
Deu para rir. A língua dos portugueses será bem estranha. Ler é um nome insignificante. Uma terreola a meio de lugares realmente importantes. Depois do divórcio, porém, a placa toponímica com esta palavra passou a constituir uma rememoração dura, os portugueses e a sua língua uma gente mais distante e esquisita, aliás, todas as palavras assim analisadas fora do seu contexto uma treta inconsolável.
Mas agora tudo voltou ao seu poiso. A vilazinha deste município de Melthus (com um nome que em português significa ler) despoleta em si o desejo de escrever novos poemas. As palavras ostentam, verdadeiramente, um poder muito seu de chocar e de nos seduzir. Em Ler Ole escreve. Assinalamos, como prova deste facto, este haiku que leva a data de 3 de janeiro de 2018.
Arte do pouco. O mestre alumia versos de ouro.
Não pretendemos fatigar quem nos lê com aquilo que o motorista profissional Ole Henriksen rabiscou e que foi recopiando para cadernos progressivamente maiores e mais luxuosos. A confiança e a vaidade são aspetos que devemos relevar nos poetas, sobretudo nos que em circunstâncias dolorosas fazem parturir os seus versos.
É o caso.
Maio. Rosas bravas junto ao mar, rochas castas, húmidas.
Aveiro (Portugal), 19/05/2019
•
Sangue e alcatrão. Três cerejas esmagadas, luta de pardais.
Guarda (Portugal), 20/05/2019
•
A toutinegra no parapeito. Coração de mármore.
Malmö (Suécia), 06/06/2019
•
Este malmequer. Em torno do sol, leves, pétalas voam.
Costa frísia (Países Baixos), 21/06/2019
•
A borboleta. sobre o rosto da luz escrita pura.
Oslo, 06/07/2019
•
Noite de verão. O lume das paredes morde as costas.
Jaén (Espanha), 20/07/2019
•
Pancadas do sino. Às vezes o coração frio bate.
Sevilha (Espanha), 21/07/2019
Deixámos para o fim as derradeiras composições que pudemos ler, à pressa, à puridade, num acesso de curiosidade, numa das certamente poucas ocasiões em que as suas mãos se terão distraído e negligenciado o segredo num aparcamento, em Oppdal.
Valha-nos a amizade de longa data que sustentamos com Ole Henrikson e as nossas (incontroversas) melhores intenções literárias. Contamos, a despeito disso, com a melhor discrição dos nossos leitores.
Entre os pertences que me foram deixados em herança pelo avô Onésimo, figura uma encadernação de couro sobre um grosso caderno manuscrito, amplamente rasurado nos textos do fim, em bela letra grafada com caneta de aparo, no qual se acotovelam entradas de diário, poemas, crónicas, bastantes contos e até trechos para teatro. Se umas quantas composições me parecem inacabadas (algo que sobremaneira lamento), a maior parte delas revela um talento razoável e um sentido de humor fora de série.
Partilho uma das suas historietas, datada de 15 de agosto de 1982.
•
Caro leitor, conheces por certo muitos tipos de histórias, a começar por aquelas sem pés nem cabeça a que chamam bizarras, ou até mesmo anedóticas. Há neste grupo algumas completamente verdadeiras e que, a despeito da absurdez dos casos relatados, correspondem à mais pura e lídima factualidade.
Não te espantará saber que Portugal, uma nação paupérrima, destituída de génios financeiros, é a pátria de um assinalável número de fortunas. Nem te custará adivinhar o modo como se obtiveram estas fortunas, nem o prestígio que os afortunados gozam entre os pobres, de tendência humildes e desculpabilizadores.
Também não será surpresa para ti que os pobres, desabituados do possuir, darão um rim por uma soma anormal de dinheiro, se lhes acenarem por acaso com essa possibilidade.
O enredo da presente narrativa liga-se à situação de certa mulher, indigente, que aos trinta anos se viu na iminência de ganhar um pé-de-meia fabuloso. Para tanto bastou-lhe ser mulher e mentir em tribunal. Nada de extraordinário, digamo-lo. Aconteceu alguns anos após a Segunda Grande Guerra.
Eis os meandros.
Um advogado célebre de Lisboa (cujo nome higienicamente omitiremos), por ação da sua retórica escorregadia e da sempre saudável arte de forjar documentos, ludibriou um velho lavrador abastado das bandas de Alverca.
Necessitou o causídico de assinaturas e previdentemente de pessoa que por ele atestasse no negócio pretendido. Para as obter industriou a vizinha da sua vítima, mulher bem feita de corpo, bonita, viúva, mãe de meia dúzia de filhos pequenos e dona de um casebre mal-amanhado, isto através da promessa explícita do pagamento de trinta contos de réis.
Que precisava ela de fazer?
Tão-só de deixar-se conquistar pelo proprietário da casa fronteira, dando-lhe a entender o que a natureza humana dá a entender em momentos capitais. Depois encher-lhe o bandulho com aguardente (da conspícua aguardente nacional, alambicada para os lados da Venda do Pinheiro). Por último orientá-lo na assinatura dos papéis, tarefa simplificada pela circunstância de o proprietário não saber escrever, bastando que lhe ficasse de carimbo o polegar direito estampado (preto no branco) nos lugares onde o advogado deixaria desenhada uma cruz.
Chamaremos Rosa a esta vigarista.
Pois, distinto leitor, foi com enorme desembaraço que esta Rosa de Alverca cumpriu o seu papel.
O lavrador vendeu ao desbarato a casa grande e as menores que tinha, do Tejo ao Cochão, terrenos extensíssimos, um ror de animais e o que lhe restava de vida.
Os herdeiros contestaram como puderam junto do juiz, o advogado defendeu-se maravilhosamente, a testemunha principal não desafinou. Trinta contos, portanto.
Estás inteirado, leitor, daquele ditado que diz “O diabo o traz, o diabo o leva”?
Ponhamos os olhos na mulher que muito à puridade está agora a recontar a maquia absurda de trinta contos, em notas onde o matemático Pedro Nunes aparece trezentas vezes.
Pois convenhamos: trinta contos de réis não são brincadeira nenhuma.
As notinhas assim ajuntadas, imaculadas, em bom papel de lei, presas por uma fita colorida, provocavam vertigens. Rosa enlevava-se. Doía-lhe a barriga só de se pôr a imaginar tudo quanto podia comprar com esse montante. Admitamos que a torturasse igualmente o receio de ser roubada.
Rosa, pobre Rosa. Era-lhe tão macia e ao mesmo tempo tão dolorosa a perspetiva de se ter tornado rica e de não poder tirar partido dessa sua nova condição. Diremos como certo poeta “Como são formosas e cheias de aroma todas as rosas, mas como dói a picada dos seus espinhos”.
Rosa era olhada de soslaio, cada vez mais falada nas cercanias de Alverca. Dizia-se dela e do advogado isto, aquilo e aqueloutro.
O prior em pessoa quis apurar a veracidade do que se murmurava. Propôs até um acordo para que o pecado de Rosa (a havê-lo) fosse remido. Ao menos a metade dele.
E não era pouca a absolvição. Simplesmente a camponesa astuta não permitiu que lhe caísse o disfarce. Continuou a viver a sua vida miserável, criando a ninhada com sacrifícios, sem um conserto em casa, sem coseduras de alfaiate ou costureira, sem fartura de comida ou de bebida, sem esmola para aqui ou para acolá, menos ainda para o fundo paroquial ou para o forro do prior lambão
Os trinta contos estavam encafuados só ela sabia onde, e não lhes tocava, a não ser de quando em quando, à socapa, para lhes acariciar o papel magnífico e lamber os dedos.
Estamos, leitor, e tens muita razão em pensá-lo, a adiar o inevitável. É mister que se adiante a peripécia por que esperas há muito. Sê paciente que sucintos seremos nós daqui por diante.
Em fevereiro ou março do ano a seguir, era o frio muito e pouco o alimento dos animais, Rosa tomou a decisão de racionar a comida com que de manhã e à noite cobria a manjedoura da sua vaca.
Era uma brava de lide, ribatejana, dada a marrar contra desconhecidos e afoitos. Que o diga um dos seus pequenos, que manco ficou após por ela ter sido colhido uma ocasião (ou encornado na linguagem do povo).
Não contente com a forragem recebida, dispôs-se o raio da alimária a mugir sem parar, sem que Rosa atendesse ao seu protesto. Então, lançou o focinho a tudo o que pudesse alcançar e servir-lhe de pasto: mastigou as folhas secas de eucalipto que lhe vinham das coelheiras, puxou por uma ou outra réstia de cebolas dependurada das traves, por cima do esterco, atirou-se às tábuas que serviam de porta ao estábulo. Deu, por fim, com o respiradouro por onde saía nos dias de sol uma claridade azul e de onde saiu, muito a custo, um farrapo que a vaca confundiu com ração, comendo e ruminando pacientemente os tristes papelinhos que no seu interior se escondiam.
Saberás, bom leitor, como é ridícula a insânia de um forreta, em especial a de um forreta vigarista, a quem se rouba o prazenteiro e quieto tesouro, vil e roubadamente adquirido.
Pobre Rosa. Quanto terá escabujado e chorado de raiva a pobre Rosa, diante da vaca atónita e mais restabelecida da fome…
Termino, leitor amigo, com um segundo provérbio de infindável sabedoria, para que o possas dizer, redizer e contradizer quantas vezes queiras. Foi-me ensinado, há uns escassos meses por um amigo judeu:
“Quando tiveres fome, canta. Quanto te sentires triste, ri-te.”
É, em todo o caso, um bom remédio.
•
Convirá, à laia de nota de rodapé, aclarar o sentido de conto de réis para leitores não familiarizados com a nomenclatura monetária antiga. Em pequeno, escutava com frequência esta designação, significando vulgarmente o mesmo que “mil escudos”. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, o valor de mil escudos em 1950 valeria em 2022 qualquer coisa como 535,99 euros. Consideremos esta data como referência, atendendo à alusão às notas de cem escudos com a marca de água de Pedro Nunes, cuja emissão se iniciou nesse ano.
A vinha estende-se por uma área pedregosa, calcária, atingindo com o seu verde às vezes ralo as encostas mais a sul do rio. Não é ainda uma paisagem bonita, nem suficientemente encorajadora quer em número de litros, quer na qualidade neles encontrada.
Mas de Bernard Mureau não se pode afirmar que seja pessoa para deitar os bofes de fora à toa. Agora mesmo o vemos, tinto como uma cereja, a teimar com a picareta no torrão endurecido de um panascal, com o propósito firme de o transformar em terra produtiva.
Grandes revoadas de pó saem de ao pé de si e vêm encosta abaixo, assentando entre as folhas mortas destas videiras obstinadas. O pó cobre os carreiros de formigas e as formigas, iguais a fantasminhas teimosos, avançam na direção dos montículos açucarados em que se transformaram ao fim e ao cabo os gaipelos abandonados no chão. Em breve não haverá calor, nem carcaças doces de uvas, nem motivos para aqui processionarem as formigas.
Mureau tem uma visão.
É um desses loucos determinados a deixarem a sua marca, desses que britam a pedra por um quinhão de celebridade, por um nome, por um aroma inconfundível.
Além, mais perto da casa do que da pedreira, nas caves desensarilhadas para já de teias de aranha, no interior de cubas herméticas e imaculadas, repousa o primeiro manancial da quinta. Mureau torceu o nariz, sabe-o ainda titubeante, insuficiente, em formação.
Mas se, por um lado o assalta a ideia de parar por aqui, de acabar com a sísifica tortura de esventar pedra e de viver o seu tempo com um mínimo de paz e de prazer, por outro, espicaça-o a insânia de transformar rocha em vinho, de vencer impossivelmente, de impor à terra o seu tributo implacável. É neste segundo estado que se sente mais quem é. As mãos enrijam, a longa lâmina da picareta endurece, todo ele esmilha com mais vontade a penedia escabrosa.
Ninguém duvida que um dia se beberá daqui a melhor pinot noir de toda a Toulon, da região da Provença, do sul da Europa. Cavando e escando, há nesta sua férrea determinação a escrita profética de um demente.
Ao longo dos 365 invernos do ano, espera-se a melhor oportunidade para fotografar a bela linha azul turquesa da costa e as calotas que cobrem quase por completo o território da ilha.
Ou para escalar o Beereberg e observar a fosforescência hipnótica do firmamento noturno, varado de ponta a ponta pelas luzes boreais.
Ou para rezar.
Aqui, ou além nas ilhotas de Francisco José, a leste de Svalbard, ou na Gronelândia, mais a oeste ainda, a vida é um apontamento delicado. Os gestos, mesmo os banais, são um meio de superação desesperado.
Raras vezes pernoitam cá forasteiros. A palavra forasteiros é, ela própria, insidiosa, divertida, extravagante até. Os ursos polares e as foras diriam, se pudessem, que aqui indígena é somente o gelo. Ou talvez nem ele.
Aqui, neste acampamento de Olonkinbyen, reza-se.
Reza-se entre pensamentos adormecidos pelo frio. Reza-se por causa da cruz que pregaram numa das paredes da sala aquecida, onde todos os dezoito funcionários da Coroa se agregam duas vezes por dia.
Eles persignam-se ao vê-la, é um instinto.
Quando o vento glaciar queima o rosto e seca as lágrimas, quando no meio das tempestades de neve o som dos passos é amortecido pelo grande silêncio que lamina os ouvidos, Deus é um assunto muito sério:
Niels e Fiona juram que O escutaram em 2004, uma hora antes de perderem os sentidos.
Magnus, que os resgatou debaixo de uma chuva de salpicos aguçados, jura que Deus não existe e enfurece-se se lhe dizem que foi Ele quem o guiou até aos companheiros em perigo.
“Foram os meus três cães quem vos salvaram” repete sem entusiasmo.
Em Jan Meyen, Deus é uma voz longínqua.
A correnteza que desce do Ártico atemoriza todos os colossos. Um café quente, casacos, luvas e botas adequadas, mais a esperteza dos cães e a porcaria da aparelhagem anacrónica são tudo aquilo de que se precisa. Afora os víveres que o helicóptero atira de quando em quando.
Aqui todos os superlativos se assemelham a um desperdício.
Niels e Fiona são de opinião que Deus assume as formas mais extraordinárias. E que nos pormenores se escondem as grandes verdades do universo.
“Até o som do vento é diferente quando O escutamos. Até o gelo estremece de outro modo quando os Seus pés pisam aqui, ao lado dos nossos.”
Mas não existe consenso.
Linnea, a chefe da estação meteorológica – uma moderadora, portanto –, alega que nem valeria de muito negociar com pessoas tão diferentes. Não há dois seres humanos idênticos, ainda que gerados e nascidos nas exatíssimas mesmíssimas condições. E a questão de Deus é a grande não-questão de todos os tempos:
“Que importa discutir a fé, a maior das nossas reservas pessoais?”
Nos seus mapas há cores fosforescentes, círculos e sublinhados confusos, asteriscos, flechas, números que só ele parece entender.
Porém, essa linguagem é tradutível: o rigor ou a falta dele pode gerar cataclismos. O reino da Noruega conta com o empenho destas mulheres e destes homens: Niels, Fiona, Magnus, Knud, Mette, Jakob, Ada, Henrik, Olav, Markus, Vilde, Alinor, Iben, Tuva, Hedvig, Sigrid, Sverre e, acima deles, ela, a líder do grupo, sabem que domar o frio, a solidão e as próprias angústias constitui um feito de que o mundo não se dá conta.
Aqui, em Jan Meyen, a vida põe-se contra si própria. Todos os detalhes contam.
Nenhum dos dezoito que habitam este pequeno mundo imenso voltará ao continente como veio. Para quê gastar a cabeça com questões tão fundamentais?
Talvez aqui a cruz seja um sinal de civilização e não de fé. “Mas que importa isso?”, modera Linnea, entre encapuzados enchumaçados, acabados de chegar, ou prontos a enfrentar, as temperaturas mais baixas do planeta.
“Deus é muito mais do que entendimento. É a cama onde esperamos deitar-nos…”
“A fome veio para ficar” disse o padre Paolo Gentile, pondo os olhos muito longe, nos vitrais, na pomba do Espírito Santo, nos olhos atordoados dos apóstolos.
Na aldeia, os ricos tinham-se tornado remediados, os remediados pobres, os pobres em gente miserável. Tudo por culpa da chuva, da chuva que não havia modos de cair, dos campos transformados em camas de pó, das árvores secas, dos rios vazios… Tudo por culpa da ganância, dos açambarcadores poderosos, dos cruéis monopolistas que impunham os preços. Do pouco faziam muito e o muito do pouco engordava-os. Os monopolistas açambarcadores eram os únicos a dar-se bem com a fome, a lucrar com ela, a compreender verdadeiramente as homílias do padre. Eram os únicos a manter a contradição: por isso, tornavam-se mais intocavelmente inumanos, iguais aos próprios santos para onde Paolo Gentile dirigia o olhar cismoso e condoído.
Havia pessoas a precisar de massa, de arroz, ovos, carne, azeite, pessoas que pouco tempos antes doavam com facilidade massa, arroz, ovos, carne e azeite. Não se percebia bem como tinham tropeçado na desgraça, como tão depressa, tão meticulosamente, tão à vontade as havia castigado o destino.
O padre erguia ambos os braços em grandes gestos apelativos, lembrava Cristo, circumpunha exemplos pródigos de amor e de solidariedade pelo próximo. Repetia a máxima de São Columba de que “A roda da fortuna mexe tantas vezes e tão depressa que ninguém está a salvo do seu cirandar cruel”. Contudo as esmolas eram iguais à terra gretada. Tocavam-lhes as mãos e logo desapareciam em farrapos polvorentos, grãos irrisórias de coisa nenhuma.
Em Sant’Angelo, a carestia foi enorme nesse tempo. Cozinhava-se algum peixe com algas uma vez por dia e não raro desenterrava-se tubérculos e raízes de arbustos. Usava-se ervas bravas e folhas de urtiga para suprir a falta de fruta e hortaliça. Os afortunadas que as encontrassem podiam apanhar bagas e amoras, se o sol as não havia crestado. E com elas almoçam ou jantavam.
No início do outono, o céu encheu-se de ódio e cobriu toda a ilha com nimbos. A chuva mergulhou sobre Forio, Casamicciola Terme, Ischia, Piano Liguori, Serrana Fontana, enxurrando em simultâneo terrenos agrícolas, veredas, baldios, canteiros e jardins. O ocre, o almagre, o grés, o amarelo do capim extenuado, transformaram-se em feios espelhos de água barrenta. Os silos, onde os agiotas guardavam com mil olhos e dez mil canos de espingarda o caviloso recheio de sua avarícia, não puderam impedir que a tempestade e o aluvião entrassem pelas frinchas, pelas janelas, pelos telhados varridos e encarquilhados, pelos umbrais sem porta.
De modo que então, sim, tudo se perdeu. E a fome, único poder legitimado, assenhoreou-se das almas cristãs como uma praga bíblica, como uma verdade, como uma paga violenta e irrespondível, com nenhuma, com toda a razão…
O suplemento cultural do El País noticiava na semana passada, e a propósito da entrevista com Hernán Diego Caballero – o mais caro, o mais culto, o mais singular cangalheiro de Madrid – uma série de factos bizarros, a que chamaram nas caixas laterais da peça “Cosas Increíbiles”.
Recordemo-las:
•
A nadadora
Paloma Martínez*, ex-atleta olímpica, nadadora, divorciada cinco vezes, exigiu em testamento que a depositassem no caixão completamente nua, devendo o esquife ser de madeira de cedro azul e conter dois palmos bem medidos de areia proveniente de Alicante, sua terra natal.
Exigiu, igualmente, que a não maquilhassem, mas que, antes de ser encaminhada para o crematório, lhe desenhassem “ao de leve” um sorriso no rosto, “delicado, mas trocista”. Não dispensou o velório, mas quaisquer tipos de cerimónias religiosas foram liminarmente excluídos, por sua vontade.
Varrida a areia da urna – não constante, diga-se, do circuito cinerário de todos os fins –, o funcionário de serviço leu, eram nove menos um quarto, sobre o tampo do féretro a lacónica inscrição: «Em suma, fui uma tola!»
•
O podologista
Gervasio Muñoz, podologista, viúvo de noventa e muitos anos, pretende ser sepultado com as fotografias do casamento, ocorrido em junho de 1946. Explicação: a mulher, Concepción Aguilara, possuía os pés mais bonitos que viu em toda a sua vida e nunca eles lhe pareceram tão belos como no dia da boda, calçando uns modestos peep-toe feitos de uma imitação de pele de cobra e emprestados pela sua irmã mais velha.
Na campa de Gervasio todos os recipientes deverão apresentar a forma deste membro inferior e todos deverão – pelo período de vinte anos – ser enchidos uma vez por semana com orquídeas brasileiras, as prediletas da sua defunta.
Deixa testamentada a soma de oitenta e cinco mil euros para este efeito.
•
O engenheiro
Daniel Guarnido, engenheiro de telecomunicações, lunático, declara ser pedido expresso de sua mãe, Leonor del Prado, festejar a partida como festejaria um novo casamento ou o centésimo aniversário. Todos os interessados em participar no programa exequial devem rever o repertório dos ABBA. Com efeito, o sistema sonoro da capela mortuária prepara-se para repetir o Chiquitita, o Mamma Mia, ou o Voulez-Vous.
Momento culminante –garantiu-o Caballero ao El País, sob palavra de honra – acontecerá quando os músicos tocarem um arranjo musical, especialmente concebido para a ocasião, do Take A Chance On Me e toda a assistência responder em coro, e comovida, eufórica, incapaz de resistir – e muito fácil de adivinhar – se entregar a um pezinho de dança.
Nota: o engenheiro quer filmar o evento e oferecer a todos os amigos e convivas a possibilidade de o recordar, contando que acedam a uma plataforma de streaming. Caso é para que reflitamos neste sábio pensamento de um autor anónimo: «Nunca nada será tão estranho que o não possa ser mais ainda.»
•
O traficante
Na mesma linha de pensamento – sem que, contudo, tenha ocorrido a Hernán Diego Caballero a evidente falta de originalidade temática – Pablo Iñigo desejou que o seu derradeiro avistamento neste mundo fosse assinalado com a presença de um DJ, colunas de potência máxima e dançarinas repletas de sensualidade. Aos convidados – “Convidados, pois claro”, enfatizou o cangalheiro, “e do melhor pano social” – a eles foi servida uma mistura de uísque, bebidas energéticas e o remanescente do produto que na etapa final da sua curta vida Iñigo comerciou “entre os nossos filhos, nos melhores bairros da nação”.
Não importa que o barulho, as moças delirantes, as drogas, o álcool, o grotesco ataúde enfeitado com fitas néon coloridas, os gritos orgásmicos saídos de todos lhe hajam parecido um fornízio bíblico.
“Na nossa empresa o lema é «Em tudo agradar ao cliente, como se não houvesse amanhã»”.
•
O eletricista
Por último, o caso de Jose Luis Ibarzabal, eletricista. Mostrou-se irredutível no modo de aparecer diante do Criador. Em lugar de um terço, quis as mãos unidas a uma lâmpada vulgar em forma de pera, das antigas. Também desejou que o não vestissem com fato e gravata, mas com o macacão azul-sulfato. Não quis sapatos, mas as botas de trabalho e o cinto das ferramentas. “Se Deus fez a luz e a luz se fundiu, vou em boa altura”.
Foi de rir.
Ao forro acetinado da tumba decretou que cosêssemos as placas retrorrefletoras com os sinais de perigo e de aviso a que se acostumou. O mais bizarro de todos – obra do seu engenho e sentido de humor – uma caveira iluminada com o brilho de uma explosão e o seguinte dizer: Cuidado com os mortos. Eles cagam-se!
•
* N. A.Todos os nomes próprios foram devidamente reintegrados no nosso texto, pese “a inoportunidade e deslealdade” (sic) de o termos feito, como muitíssimo bem o lavrou no seu protesto (a nós dirigido em sobrescrito de janela e com monograma dourado) Hernán Diego Caballero, acionista principal da empresa TE INMORTALIZAMOS, a quem pedimos (e às famílias dos visados) as mais sinceras desculpas.
Durante a noite Emerenciano Castanheira voava. O corpo descobria-se livre e leve, abria os braços e punha-se a subir e a esvoaçar à volta da casa, cada vez mais depressa, cada vez mais alto, cada vez mais amplamente, em círculos, como um pássaro enlouquecido.
Era um sonho recorrente. Emerenciano via-se a encostar a escada de eucalipto à parede nascente, junto ao limoeiro, a trepar por ela até ao telhado, como se fosse limpar uma chaminé, e depois, empoleirado sobre uma das empenas, contemplado o casario ao redor, acontecia exatamente o que se disse atrás: Emerenciano batia os braços e voava.
A vertigem da ascensão compensava-a a vista: tudo tão pormenorizado, tão realista, tão coerente que não podia ser senão verdade: o defeito das telhas, a casota do cão lá em baixo, e o animalzinho com as patas de fora, os grandes postes de eletricidade com ninhos de cegonhas, a torre piramidal da igreja que afinal se parecia um quadrado cortado por um enorme X entre os ângulos, a copa dos grandes choupos e as veias averdiscadas dos arroios pelo meio da terra ocre, tudo coerente, realista, pormenorizado, até chegar ao branco das nuvens e aí se perder de susto, na confusão láctea do nevoeiro.
Quando despertava, Emerenciano Castanheiro sentia-se muito bem-disposto. Orgulhoso até. No final destes seus voos oníricos, a vida parecia-lhe outra, mais divina, mais sabedora de coisas indiscretas (nos sonhos, a sua visão de ave atingia amores clandestinos de mulheres casadas com moços da tropa, negócios proibidos de candongueiros de café e cigarros, roubos nos alambiques e nos lagares de azeite, até as lágrimas que as mulheres camponesas engoliam, quando triplamente vergadas pela condição de género, do trabalho, de mães pobres). Do alto apanha-se tudo e os braços valentes e os olhos acutilantes de que Emerenciano Castanheira dispunha eram armas nada despiciendas. Numa palavra, sentia-se um explorador.
Admitamos que um felizardo, também. Quantos de nós não gostaríamos de, no despudor dos sonhos, ampliada pela lente destes voos, termos da vida e da vizinhança uma visão tão certa?
Felizmente, Emerenciano era ajuizado e discretíssimo. As palavras precisam de um travão e ele sabia-o. O que à sua cabeça vinha na sua cabeça ficava. Era melhor assim. Muito melhor!
Pelas mãos do filólogo e professor universitário João de Castro Assis passam páginas de um autor seiscentista totalmente desconhecido de nós, de seu nome Anastácio Paim de Noronha, autor da monografia que o académico vem estudando, anotando e convertendo em grafia atual.
O nome do livro, impresso em Madrid, no ano da providência de MDCXXVIII, leva por título o seguinte dizer: RELAÇÃO DOS ESTRANHOS CASOS, OCORRIDOS NAS PROVÍNCIAS DO MINHO, TRÁS-OS MONTES E BEIRAS, NOS TEMPOS DE AGORA DE ANTANHO, MANDADOS JUNTAR PELOS ILUSTRÍSSIMOS, NOBILÍSSIMOS, CONDES DO VIMIOSO, DOM LUÍS DE PORTUGAL E DOM AFONSO DE PORTUGAL, SEU FILHO.
É um cartapácio imenso, repleto de humor e de fantasia, plausivelmente decalcados do JARDÍN DE FLORES CURIOSAS do leonês Antonio de Torquemada. Um dos curiosos relatos nele compilados reproduzimo-los nós de seguida:
•
«Nos começos do governo do rei Dom Manuel, nosso senhor, sucedeu a certo tanoeiro que na comarca de Montes Longos vivia, conhecido tanto pelo muito de abastado que tinha quanto pelo muito de avarento que era, que lhe fossem à fazenda e lhe furtassem umas determinadas moedas de ouro, bons cruzados de lei, que ele tinha bem contadas no interior de uma bolsa de couro, guardada em sítio de sua casa onde ninguém, por mais que se pusesse a argueirar, podia facilmente descobrir.
Logo desconfiou o da tanoaria que lhas surripiara algum dos moços que consigo dividiam o mester e que mantinha de costume mal assalariados. Deram-lhe as horas por dormir o sometimento de lhes armar cilada, a fim de retear o larápio e o surpreender e o entregar à justiça.
O que fez o astuto mesteiral?
Escondeu no chão da oficina, em esconsos que ele bem conhecia, alguns dos solarosos cruzados de ouro que possuía, de modo a que dessem com eles os moços e aquele que acostumado ao mau costume da rapina lhos gualdripasse e ele, como anzol à enguia, o apanhasse no exato ámen-jesus.
Vai daí pôs-se com bons modos a pedir:
– Fulano, traz-me isto de tal parte, sicrano vai-me por aquilo ali, beltrano chega-me a plaina e o formão, fulano passa daí o argolame que quero cintar as ripas e acabar esta pipa…
E iam os serventes muito depressa direitos ao que lhes pedia o mestre. Até que um dos quais muito se espantou em certo lugar da oficina e largou em grandes brados:
– Venha aqui depressa, mestre, que vejo nascer da terra tanto ouro que vosmecê nem com mãos ambas o poderá segurar.
E era em boa verdade grande o prodígio: ajuntavam-se tantas peças naquele bocado, como desse nele a magia e se multiplicassem infinitamente os cruzados sotopostos na terra escura pelo bendito tanoeiro. Mas assim que lhes tocava ele com os dedos trémulos, logo a ilusão se esfumava como quando caminhamos nós pela vereda de um sonho. E assim se passando as coisas foram todos tomados de um grande susto.
Tempos mais tarde, sempre artificioso e não querendo retrautar o que consigo mesmo ajustara, o dito tanoeiro pediu a outro servente que lhe fosse à mesa da cozinha e lhe trouxesse o vinho, a boroa e o tanheiro do toucinho que estavam sobre o bancal, dizendo que era ocasião boa para merendarem todos e que muito convinha a todos saciarem-se do aperto da sede e da fome.
Estranhou o moço da repentina liberalidade do somítico patrão, sem suspeitar que na mesa, muito acercado do pão, estaria à vista desarmada um medalhão de ouro lavrado com sua corrente, o qual valeria uma fortuna das grandes.
Foi o ajudante à cozinha e não tardou a regressar, lívido como cal, e querendo falar não podia senão gaguejar, dizendo ter visto na dita cozinha bancos a movimentarem-se sozinhos e dois presuntos graúdos mexerem-se no ar, sem que humano braço ou boca de alimária lhes pegasse.
– Zombas comigo, trapaceiro maldito!
– Pois se o mestre não acredita, vá e veja com os seus próprios olhos!
Foi o tanoeiro ver, levando à retaguarda, pelo sim pelo não, e com súbito receio, a mesurada dos serventes e a findar a comitiva uma serviçal que ali viera por fora, a mando da patroa, buscar uma metade de meia canada de vinho para a ceia.
Não se viu coisa de incomum natureza, a não ser que o pesado medalhão de ouro havia sumido de seu poiso anterior, não se divisando a que nova paragem fora ir ter.
Foi o inocente mancebo entregue ao corregedor, que no entanto por meio nenhum pôde fazê-lo confessar, nem de modo algum deu com o ouro roubado.
– Pagarás pela grande avania que fazes a teu mestre.
– Senhor corregedor, grande diabo mora naquela casa, que ouro aparece do chão e ouro no chão desaparece…
E o moço contou ao atónito corregedor tudo o que sabia e se passava naquela dita casa. Mandou o corregedor um oficial de justiça confirmar da boca dos outros moços o que havia de se confirmar, e confirmou-o. E da boca do mestre tanoeiro escutou o corregedor em pessoa que eram liornas tudo quanto diziam os trapaceiros ajudantes, acrescentando que o seu ouro, pratarias e fazenda lhos roubavam de amiúde em sua casa, e que aquilo seria decerto manha concertada entre eles.
Não tinha o tanoeiro terminadas estas palavras, quando para se limpar do abundante suor que lhe corria da tez tirou da algibeira o lenço da mão e passando-o nas faces logo se descobriram, mal embuçadas no pano grosso, rebrilhando, as fartas correntes do medalhão extraviado.
Zurziu o corregedor o atarantado tanoeiro com ditos ásperos, atribuindo à sua maldade e supina avareza a invenção de todos os furtos de que se lastimava e ameaçando com termos furibundos mandar açoitá-lo publicamente, se continuasse a proferir tais e tão graves doestos, para melhor exemplo dar aos argentários e difamadores.
Correu depois a soada espantosa de que naquela casa, fosse na oficina, fosse nos quartos, nas despensas, nos desvãos, nas escadas de pedra, à luz do dia ou a horas mortas, viam ser arrastada toda a sorte de objetos, móveis e alfaias, levados a direito pelo chão, como investidas de um touro, ou cabriolando pelo ar, como volteaduras de uma mosca. Dizia quem isto o pôde saber que rolavam pelos tabuados incontáveis moedas flamejantes, acordando quem dormia ou atraindo mais e mais a sandice do tanoeiro, pois que as buscava apanhar e logo elas lhe ardiam entre os dedos como pequenos tições saídos dalguma forja infernal.
E por causa destas coisas chamaram um cura, o qual lhes bateu à porta e inteirado de tudo quanto se disse reconheceu, persignando-se com muitas mesuras e solenidade, que aquilo era obra por certo de uns trasgos e fez o que tinha de ser feito, esconjurando-os. A partir de então, cessaram as trebelhadas manias de que se dá notícia aqui, livrando-se a casa das almas más que nela habitavam e emendando-se aquele dito mestre tanoeiro de seu vício nefasto.»
•
Espera-se para o ano que vem a republicação do dito livro, com a chancela de uma das escassas editoras que por cá não esqueceram ainda o que sejam bons livros, i.e., dos que devam durar uma mão cheia de séculos, sem escaparate, crítica literária ou prefácio do eminentíssimo escritor – minuscófilo – vhm.