O LUGAR (IN)COMUM DA NOSSA INFÂNCIA

Village
Fotografia de Chris Erdman

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No vagar da casa definia-se melhor a natureza imutável dos gestos. Era sublime, por exemplo, a luminosidade que transbordava dos dedos à roupa no estendal nas manhãs de maio. Por exemplo, a vaga tristeza súpita que descia connosco ao silêncio mais profundo de uma gaveta. As coisas ocupavam o seu lugar dentro das palavras, ao lado de outras coisas dentro de outras palavras, e vinham contra o olhar, sobre o olfato, ao toque imaculado dos dedos. Existia-se, respirava-se, decompunha-se com minúcia as formas e os cheiros, a tessitura dos tijolos, os pensamentos, o frio. Era o desabrochar da infância.

Essa infância abria uma cancela alta e vinha a correr. Trepava escadas de pedra, interrompia-se instantaneamente diante uma velha porta de madeira, em cujo rodapé espreitava o fumo escuro e a pálida luz elétrica de uma cozinha. Essa infância entrava, invadia um solo indubitavelmente sagrado repleto de objetos puídos, macios, mascarrados. Encontrava aceso o lume da lareira, o brilho dos cobres, as cerâmicas muito lavadas. Chiavam ali três grandes potes de ferro, ali onde cheirava a café fresco, onde mãos trémulas iam depositar a sertã sobre uma trempe, ali onde ardia às vezes – sobre magníficos tições rubicundos – a boa carne do fumeiro, ali onde pequenos olhos atentos escreviam já a sua escrita inócua e fascinada.

Pregado à penumbra deste primeiro espaço, a infância descortinava o claviculário surrado. Era o lugar de onde se partia para todos e de onde se regressava de todos os lugares. As vozes reuniam-se para comer, para contar o tempo, para persuadir a Providência. A infância escutava e rezava, participava na prudente litania com que se defendia a casa dos males deste e do outro mundo, ia sonolenta pelo limiar tosco dos móveis e escapava-se para o corredor. A infância escabeceava como um inseto alado, ensarilhava-se nas teias nascidas sob as traves, gemia às vezes com as velhas missagras ferrugentas das portas interiores, absorvia o aroma intenso do eucalipto, sonhava. Depois vencia o torpor, beijava as faces endurecidas dos anciãos e pedia-lhes a bênção. Depois tombava no sono imaculado dos justos.

Havia na raridade destes gestos sagazes e piedosos outro espaço de que hoje se é órfão. Outro espaço de que hoje se sente uma falta inexplicável. De que hoje se lastimava a dor incalculável. Como se de um remorso se tratasse, como de uma mutilação falássemos, como se um vazio impreenchível nos engolisse. Beijava-se e era-se beijado, dizia-se e era-se nomeado, sentia-se e era posto no âmago dos sentimentos. A infância era essa casa, essa casa-mundo, essa casa-alma, essa casa-intraduzível.

Por muitos anos pensei que me morrera ela, desfeita de cima a baixo pelo sinistro braço do caterpillar. Pensei nessa casa-entulho que os camiões transportaram como uma sombra para parte incerta. Essa casa devolvida aos caboucos e ao cheiro alcalino do saibro, restituída ao desenho ancestral do seu quadrado de terra. Essa casa que outra casa afundou para sempre, debaixo de betão e toneladas de metal.

Mas não. Essa casa onde a infância respira ainda não morreu. Nem a imagem dolorosa do seu desmantelamento pôde destituí-la da sua geografia encantatória. Nem as malditas quelíceras das máquinas puderam abafar as suas vozes benditas. Nem os seus velhos puderam partir – eles que renascem a cada instante na exatidão singular dos gestos que lhes repetimos. Será sempre a casa. Como esses velhos serão sempre uma memória infalível, uma memória que regressa no vagar das sombras e nos enche a boca como uma canção longínqua.

Ah, essa casa não morre.

No vagar da sua esquadria, os gestos eram sublimes, tristes, maravilhosamente esculpidos. Abriam, por exemplo, a terra e sepultavam nela sementes poderosas. Narravam, por exemplo, com palavras poucas e inquestionáveis – à noite, ao lume, no bojo do silêncio – a história de Branca Flor. Nada possuía verdadeiramente esse mundo. Ele era senhor de si. Tudo recaía em nós paulatina, singelamente, como camadas de um amor impossível de corromper. Existia-se, respirava-se, sobrepunha-se sem pressa as minúsculas células do tempo, as formas e os cheiros, a tessitura dos tijolos, os pensamentos, o frio. Era o desabrochar.

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VOZES DE BURRO

Fotografia: Antonio Grambone
Fotografia: Antonio Grambone

 

No começo da rua Franquelim Pimenta batia na sola dos sapatos com fúria. E era depois de lhes pôr em cima uma camada bastante de cola industrial, de lhes cuspir uma gosma de álcool e de imprecações, enquanto os olhos iam e vinham, conforme o movimento dos pares de pernas das senhoras e raparigas do colégio.

— Minha menina, ai que rico tacão!

A boca tartamudeava, com os pequenos pregos presos nos lábios. Havia quem se zangasse, quem respondesse ao piropo ordinário.

‒ Malcriado!

Mas o aparato de loiras com as mamas ao léu nos calendários e o garrafão meio escondido entre as pilhas de sapatos e chinelos por arranjar, tinha o efeito de um repelente. O Pimenta ficava na sua. As senhoras e raparigas ofendidas na delas. Tudo em ordem. Quem não queria piropo não passava perto da sua lojinha. Que culpa tem um homem de vir ao mundo com um par de olhos, menino?

O estabelecimento do Pimenta ficava na rua dos artesãos, paredes meias com a carpintaria-funerária Campos Elísios, com as máquinas de costura da Dona Eufrásia e com o botequim do Sr. Maciel Bemposta. Um pouco adiante, na mesma rua, havia uma loja de ceras e santinhos, uma padaria, um garageiro, um ourives, um serralheiro e a farmácia. Tudo muito misturado, tudo enfileirado, comércio para as dores do corpo e para as da alma.

Nessa rua aprendi eu a maior parte dos provérbios que conheço. Por exemplo que “Vozes de burro não chegam ao céu”.

O ditado veio, entre outras, da boca do sapateiro. O artista percebia de quase tudo. Quando lhe negavam uma evidência ou o contrariavam razoavelmente, zurrava logo:

 ̶  Sabe vossemecê uma coisa? Vozes de burro não chegam ao céu!

Alguém lhe punha em causa a soma a lápis de uma conta, alguém lhe atribuía um dito de véspera, alguém lhe negava as virtudes dos rebuçados de Régua, alguém lhe falava mal do Sporting, e o Pimenta, apimentado:

 ̶  Sabe o amigo uma coisa? Vozes de burro não chegam ao céu!

 ̶  Está a chamar-me burro?

 ̶  Tem vossemecê orelhas a condizer…

 ̶  Como?

 ̶  Estou a chamar-lhe burro, jumento, jerico!!!

Se a coisa não passava, se a teima ia mais além, tornava-se o insulto de monta.

 ̶  Ó meu grandessíssimo filho da puta, quer você ver como elas se fazem aqui nesta loja?

E voava a camurça de um sapato, um botim de senhora, uns tamancos…

Houve alturas em que me assustei. O Pimenta, esgazeado, ameaçava um cliente, o cliente raspava-se, o projétil cortava-nos – como uma bateria inimiga, a escassos centímetros da testa ‒ a linha fina do horizonte.

‒ Isto, menino, é uma cambada de burros! Não percebem um caralho da vida… Bem me dizia a minha mãezinha, vozes de burro…

A mochila vinha de arrasto, a pontapé. A escola arrasava: reis de Portugal sim; contas de dividir não; verbos sim; prova real não… De modo que sair dos portões de ferro da escola, dobrar a esquina, escutar o sábio calão do Pimenta era uma alegria, uma cura, uma catarse.

‒ Faça-me lá a conta, Sr. Franquelim…

‒ Ora, deixe cá ver: solas, pomada, … ‒ Como está, D. Etelvina? ‒ berrava de súbito cá para fora; … ora, deixe cá ver: nove e quatro treze e dois dezasseis… e vai um ‒ Olá, Senhor Doutor, bom dia! Como passou? ‒ gesticulava; … ora, portanto, e vão dois…

Conseguia até esquecer os ralhos, as ameaças, os puxões de orelhas, a numeração romana. Nada me dava mais prazer do que excomungar a sala de aula, ouvindo e compreendendo o vivo movimento do mundo. Nada como a genica linguística do Peyroteo do calçado, olá para um, vai tu à merda para outro, cuspo e martelo, como passou, Senhor Doutor para a frente, que rico tacão para trás, martelo e cuspo, sempre assim, o dia inteiro, com o lápis (de papel dizia ele) aninhado na orelha…

A didática não tinha fim. Sabia que um dia me faria falta. Ouvia-se até chegar a casa. Sobrepunha-se mesmo ao barafustar da peixeira com a modista, à política debatida entre o funesto loiro da loja dos penhores e o taxista, à voz dos reformados que atiravam a bisca, às vizinhas que cortavam na casava. Franquelim Pimenta era um professor no seu palco. O calão engrossava.

De modo que uma vez disse na aula:

‒ Foda-se, Severo… És um cagarolas!

O Severo queria copiar o gerúndio dos verbos estrugir, burilar, transcorrer (do alçapão benigno da professora saíam verbos simpáticos), mas tinha medo.

Eu, que me dispunha a ajudar, disse com enorme prestígio gramatical:

‒ Foda-se, Severo… És um cagarolas!

Veio a reprimenda. Violenta, eriçada, húmida de saliva. A sala tremeu desde os caboucos até ao forro de cortiça no teto. Respondi-lhe. Aí não se ficou a mão da professa, que me ficou gravada nas bochechas. Cinco dedos, uns dez anéis, um par de estalos de cada lado ‒ certeiros, sapudos, impressivos.

A minha mãe (que certamente me trataria da saúde) pediu desculpa. Aquilo não se repetiria, Senhora Professora…

‒ Que lhe disseste tu mais, meu tratante?

‒ Chorei, supliquei… O que dói uma colher de pau, senhores!

‒ Que disseste tu à professora, meu carbonário?

Deus furioso exigia a verdade.

‒ Fala, bandido! Que disseste tu à tua professora?

Olhos esbugalhados, gritos, imprecações, a promessa de que o meu pai ia saber de tudo… Considerei. Vacilei. Já chegava de pancada.

‒ Vozes de burro não chegam ao céu…

‒ O quê?

‒ Foi o que eu disse à professora, mãe – confessei por fim, imerso em ranho…

‒ Ah, meu maldito…, meu macareno… Ai, que eu mato-te!… – disse a minha progenitora à beira de uma síncope, enquanto eu fugia, enquanto eu me atirava pela janela à rua, enquanto eu fugia também deste lado da guerra, para procurar abrigo, algures, a meio da terra de ninguém, nalguma trincheira…

DAS BRINCADEIRAS E DOS BRINQUEDOS QUE NOS FICAM

Pascual Nuñez
Fotografia de Pascual Nuñez

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Se algum lugar mítico se conserva em casa dos meus pais, esse lugar é o sótão. Aí, mesmo debaixo das telhas, sob as traves de madeira, onde a luz elétrica nunca chegou e onde aranhas solitárias cortinam o silêncio, sobrejaz uma multidão de caixas com candeeiros, tapetes e livros de costura (pesados tomos de capa dura sem qualquer préstimo), faianças e um antigo aparelho de radiofonia. Mas aí, no meio da escuridão, onde os anos fizeram queimar cotos de vela e fósforos, resistem, também, sobretudo, as coleções! Calendários, porta-chaves, discos de vinil, pósteres (do Benfica e da Seleção, dos Pink Floyd e dos Pearl Jam), revistas das Seleções do Reader’s Digest e do Tio Patinhas. Aí, aonde sobe a luz da lanterna, como Cousteau descia com ela ao fundo dos oceanos, o tesouro principal são as lendárias malas dos brinquedos, as que guardam os espécimes adorados da infância e, agarradas a eles, as melhores memórias!

Tudo passou depressa daí em diante: cresceu-se; foi-se para a universidade; estudou-se Trubetzkoy e Martinet; discutiu-se Sartre e Camus entre imperiais e pires de tremoços; obteve-se o canudo; passou-se a cirandar pelo país, ensinando a putos malcriados aquela mesma disciplina que em miúdo se detestava; passou-se a dizer mal do Governo; escreveu-se um ou uns quantos livros; plantou-se uma árvore ou um bosque delas; viajou-se pelo estrangeiro; amou-se, sofreu-se e voltou-se a amar; de repente há uma criança magnífica em casa e alguém pergunta «O que é feito dos teus brinquedos?». E é então que a escada de tesoura regressa.

Durante anos, a entrada para o sótão (pela dispensa) foi-me vedada. De maneira que quando à sorrelfa penetrei pela primeira vez esse ambiente, onde o depósito da água e respetivas tubagens tomavam o aspeto de uma máquina cardíaca, fiquei atordoado com o recheio dos misteriosos caixotes. Era apenas um garoto surpreendido com o lugar menos visitado da casa. Mas esta tarde, ao encavalitar-me no estreito suporte que me levou de novo ao alto, senti o que sente o arqueólogo, quando ao escavar obstinadas camadas de saibro e de areia se vê confrontado com objetos que compõem toda a história do tempo. Senti o que se sente algures numa cave ou numa arrecadação, quando se reconhece e recupera em simultâneo pedaços da pessoa que fomos aos cinco, aos dez ou aos vinte anos. Senti a forte comoção que enche decerto de mágoa e de felicidade a palavra saudade, mas que é mais intensa do que ela, porque é o abalo de um reencontro – com (o toque, com o cheiro, com a textura de) objetos misteriosamente subtraídos à nossa convivência e de chofre, agora, caoticamente, resgatados da penumbra e do pó. Ocorreu-me que, ao cabo de tanto tempo e de tamanha distância, a vida paradoxalmente talvez nunca tenha existido fora do mesmo instante e do mesmo lugar onde desfilam cubos de rubik, ursos de peluche, automóveis de corrida, pistas de comboio, puzzles e conjuntos de legos

Cada uma dessas miniaturas da fórmula 1, cada camião, caterpílar ou carro dos bombeiros, cada jogo de tabuleiro (do Monopólio do Topo Giggio), cada jogo de cubos (em especial, o da Branca de Neve e dos Sete Anões), cada avião e cada paraquedista, cada soldado de chumbo e cada replicazinha em pvc do Dartação e respetivos colegas Moscãoteiros, cada tambor ou viola de plástico, cada ferramentazinha de metal e madeira construída pelo meu pai (sobremaneira invejadas pelos outros fedelhos da rua, por não haver quem tivesse joguetes iguais), cada um destes maravilhosos objetos transporta com extraordinária precisão os dias passados, os amigos, as conversas, as fantasias, os recantos onde em tardes pachorrentas, depois das aulas ou no verão, nos juntávamos para brincar. Cada um desses objetos foi personagem das fantasias que púnhamos em marcha na terra batida, na areia ou nos jardins da vizinhança, de onde se elevava o aroma da relva cortada e que para sempre me obrigou a associá-lo ao insuperável fascínio dos anos 80, quando as férias grandes iam de junho aos começos de outubro, e quando havia a extravagante liberdade de andarmos na rua até a noite cair ou os berros da mãe de um e de outro nos chamarem para o jantar. No verão, ao crepúsculo, a rua era disputada por grupos de meninas que riscavam os quadrados do jogo da macaca, e pelos rapazes que a riscavam com o formato de um campo de futebol. Não poucas vezes, a insuficiência de jogadores de um lado ou do outro motivou curiosas misturas, como sucedia com as canções de roda (em especial, com a «Fitinha Azul» ou com «A Borboleta Branca»).

Empolgavam-me a cabra-cega ou o jogo dos cowboys, o jogo da caça ou o esconde-esconde. Quando éramos poucos, entretínhamo-nos com um humílimo o jogo do galo ou com os berlindes. Não me recordo naturalmente de todos os jogos em que participei ou do nome que lhes dávamos. Mas recordo-me da miudagem algazarrando rua abaixo, rua acima, ocupando as casas em construção, encontrando esconderijos nos sítios e lugares mais bizarros, dessa miudagem que se procurava sem medo, rancor ou manias, que partilhava com a mesma alegria um carro telecomandado (recebido de um tio de França) ou um simples carrinho de linhas, daqueles de madeira, que as mães gastavam no tempo em que as mães ainda sabiam usar a agulha e o dedal…

Tristemente estes jogos, essa miudagem, aqueles dias encantadores desapareceram. Primeiro devagar, depois tão depressa que mal pude compreender como se desmoronava o melhor dos mundos.

Ao descer as terríveis escadas em V perguntam-me risonhos se sempre encontrei os meus brinquedos. Uma estranha perturbação impede-me de responder, de compreender sequer o que seja encontrar um tal tesouro. Se pudesse; se houvesse um tal primeiro prémio de lotaria; se me fosse dada a oportunidade de trocar tudo o que conquistei por um regresso, ainda que breve, a tais dias distantes… «Sim, sim, sim… os brinquedos estão bem guardados. Melhor é que assim continuem, onde e como estão»!

COISAS DE FEDELHOS

Jacek Komorowski
Fotografia de Jacek Komorowski

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Dificilmente cabem na nossa memória coisas tão importantes como as que nela entraram pela porta enorme e pelas frinchas da infância, coisas tão vagas como aquela vez em que nos puseram em cima de um triciclo no jardim relvado para fazer uma foto artística, ou tão profundas e inesquecíveis como aquela outra ocasião em que um avô nos acordou de madrugada e nos levou consigo à pesca, no rio.

Diga-se que era um rio enorme, fumegante, rodeado de incontáveis variedades de árvores caducas e de pinheiros, onde havia uma pontezinha antiga, ao estilo romano, bem como uma azenha, já com a sua roda e rodízios bastante desgastados. Essa ida à pesca ficou-me gravada de tal modo nas profundezas do meu ser que posso ainda agora, sem grande prejuízo de sentimentos ou esforço de cabeça, recuperar o estilo da cana, as galochas verde tropa o cantil, o barrete e toda a panóplia de minudências usadas para apanhar as trutas: os carretos suplente, os anzóis coloridos, a caixinha com a linha ou o engodo, diga-se uma pequena lata com vermes repelentes, que eram a delícia da pequenada…

O rio, que hoje não é tão enorme, não é sequer grande, exceto nos dias de inverno, em que ganha alguma da antiga expressão assustadora, já não tem pescadores nas suas margens. Aconteceu-lhe a desgraça das fábricas de tintos e dos campos de cereais, que o empestam de químicos e de outras impurezas nauseabundas. Não há peixe que sobreviva a tamanho aviltamento, nem gente capaz de protestar comigo contra os novos empresários de cinco à coroa, quando a convoco a protestar na rua, ou a pedir contas ao Ministério do Ambiente. Vermes mais asquerosos do que de antigamente ocupam lugares poderosos, contra os quais pouco se pode fazer. E, assim sendo, deixou de ser possível recuperar a idílica imagem de avós e netos juntos, enfrentando o frio da manhã, conversando intimidades e esperando pacientemente o momento de triunfo em que um corpo prateado vem morder o isco e dar luta até emergir por fim às mãos experimentes do maior herói que pode haver em nossas vidas!

Havia uma mítica ressonância associada à palavra truta! Apanhar uma truta era o mesmo que ver o capitão do Benfica levantar a Taça no Jamor. Era mais do que isso. Era ver confirmados os méritos desse velhote que dava lições de vida e percebia um pouco de tudo e que nunca falhava: em segredo rezava para que não falhasse, sem ele perceber, exatamente como um adepto fervoroso reza na bancada para que a sua equipa não o deixe ficar mal… Depois, quando regressávamos os dois a casa para o almoço e com o poderoso peixe nas mãos, garbosamente em riste, vinha todos ver bem “o que era pescar!”

— Temos aqui homem! Temos aqui homem para a cana, sim senhor!» – repetia o avô, pondo-me a mão nos ombros, para me gabar os méritos de ajudante e a vocação de pescador domingueiro.

Mas ajudante era-a também noutras coisas, a bem dizer em tudo. E quando a ajuda não me era pedida, forçava eu a que ma aceitasse ele, até mesmo quando se tornava um estorvo de tão solícita. Porque empoleirado lá no alto, a podar, ou a bater nos aros de alguma pipa, muito concentrado na sua tarefa de agricultor e tanoeiro, via-se o ancião a braços com a ferramenta que eu lhe surripiava, de tanto querer imitá-lo. E era então uma pachorrenta irritação apelando a minha avó que tomasse conta de mim.

— Maria Amélia, Maria Amélia!…Leva-me daqui o dianho do moço!…

Preciso de explicar, em respeito à verdade, que na casa velha, pulando e correndo, entrando e saindo pelas portas quase nunca fechadas, trepando pelos bardos ou lurando ervilhais havia não um mas um bando de diabos! Éramos com efeito meia dúzia de primos nascidos na mesma altura, que punha em alvoroço a bicharada das cortes, os galinheiros e a mansa passarada no meio dos campos… Minha avó, já então a contas com a artrose, incapaz de suster tanta ruína de cultura e o cacarejo histérico ameaçava de longe com o pau da bengala:

— Anda, meu mafarrico… quando te apanhar, vais tê-las todas juntas!

Ou, então:

— Quando a tua mãe vier, vais tê-las certinhas. Ai vais, meu bandido!

Raramente havia o ajuste de contas prometido, talvez por alguma falta de memória, aliada à perda de destreza locomotora. Ou talvez porque passada a violência do crime, num estardalhaço de ovos partidos ou cebolinho arrancado, viesse o ato de contrição. Lá ia o réu, de orelha baixa, guardando ao pau alguma distância prudente, pedir perdão.

— Ó Vó, desculpe!

— Anda aqui, moço, que eu não te oiço bem!

— Não vou… que você bate-me!

— Meu manca-mulas, vais apanhá-las! Vais apanhá-las certinhas… É como dois e dois ser quatro!

Escuso de explicar que todos juntos, ou dois, ou três sequer, fazíamos guerra à paciência de um santo. Porque dois, ou três, ou todos juntos, parecíamos magnetizados por uma criatividade facínora que nos escapava em estando sozinhos. Não era propriamente raro algum vizinho vir dar sinal lá em casa do netinho que se havia guindado a um ramo de pinheiro, ou que fora comprar um maço de Definitivos à tasca de Porinhos. E era aí um ai-jesus, com muito e bem aplicado puxão de orelhas, respetiva notificação aos progenitores e consequente bofetada da grossa! Porque, repito, todos juntos éramos o diabo em cuecas…

Guardada nessas memórias, como num estojo de mogno, resiste uma das mais pícaras peripécias que é possível narrar. O meu leitor divirta-se com ela.

A minha tia Alexandrina fazia parte dos zeladores da paróquia, assistindo-lhe entre outras tarefas a de ir buscar religiosamente todos os sábados de manhã o reforço das hóstias, que deveriam ser consagradas e oferecidas no serviço religioso do fim de semana. Era um tupperware cheio delas, embrulhado num pano carmim de veludo, que ela depunha no aparador cuidadosamente, longe do nosso olhar, ao lado do terço de madrepérola e do seu missal de bolso.

Ora deu-nos do mafarrico a infeliz ideia de irmos destapar o tupperware, esvaziar o recheio e alimentar uma carnavalesca missa, celebrada na cozinha de lenha pela minha prima Madalena. Para improvisar os sagrados ícones, demos olhadura em volta confiscando tudo o que se parecesse com eles, desde um castiçal a um caneco de alumínio, ligeiramente assemelhado ao cibório que havia lá na Igreja. A missa durou e durou, com a chusma de pecadores percorrendo de joelhos o soalho e respondendo, como se a coisa fosse a sério, ao blasfemo convite da comunhão, para mais untado de Tulicreme, para ter mais graça:

— Corpo de Cristo?

— Amém!

Estranhando o nosso coletivo silêncio e sempre agarrada à saudosa bengala, assim nos foi a avó a todos encontrar…

Dispenso de adiantar conclusões, como a feia descompostura de nossa Tia, ou as bofetadas, ou o castigo de ir detalhar tudo ao senhor padre em confissão (que tapava os lábios e enchia as bochechas coradas, cada vez eu que lhe explicava de novo a ideia do Tulicreme), ou a proibição expressa de mexer no que quer que fosse da tia Alexandrina, de resto a única que não contribuíra até aí (nem mesmo depois daí), com qualquer rebento seu para o nosso vistoso e conhecido grupelho de traquinas…

Dificilmente cabem na nossa memória coisas tão importantes como as que narrei. E passando por elas, tão de leve quanto é possível passar os dedos por velhas folhas de cartapácio, sinto crescer desta saudade uma inexprimível luz de vida e de amor, só possível divisar com a distância e com a adultez. O meu leitor saberá do que falo, não o duvido, e por isso me compreenderá esta alegria triste, de pessoa que olha e não vê, procura e não encontra, e no entanto e no entanto encontra, como numa miragem ou numa alucinação…

DOIS LIVROS

Magic book (Mirijam)
Fotografia de Mirijam

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Em casa havia pouquíssimos livros. De modo que a chegada misteriosa desses dois fez da minha vida um milagre de conversão, ela que se destinava aos fornos de uma padaria: refiro-me ao primeiro tomo da História Universal de H. G. Wells (edição Livros do Brasil) e aos Contos da Montanha de Miguel Torga (uma velhíssima edição de autor). Julgo que vieram ao engano, trazidos por um primo distraído, para serem reduzidos a tiras, que era o nosso modo de fingir as notas verdadeiras. Vinham ambos muitos amachucados e riscados, perfeitos para alguém como eu, que nesses dias detestava coisas muito direitas.

Devo explicar que quando era mais novo tudo me parecia mais simples, mais visceral, mais antagónico, e belo também. Não estava acostumado a luxos. Uma lupa ou um jogo de monopólio eram para mim objetos distantes que só os meninos com sorte possuíam. Sorte era a palavra que me vinha à cabeça em vez de dinheiro, porque aos cinco ou seis anos já eu entendia as nuances discriminatórias da sociedade. Os objetos, quando me chegavam às mãos, quando os manuseava, quando os fazia funcionar por ação dos meus próprios dedos, ganhavam foro de coisas míticas. E eles chegavam, porque afinal também eu tinha alguma sorte: foi assim que me apareceram um porta-chaves em formato de pequeno revólver (tal e qual o revólver do cowboy John Wayne – saberá Deus como idolatrava John Wayne); foi assim que me apareceram, entre outros, um realejo todo cromado, um jogo eletrónico da Pantera Cor-de-Rosa, uma pista de comboio.

Mas os livros tardavam. O primeiro que comprei adquiri-o numa feirinha de escola aos onze anos: foi ele Histórias do Bichinho Qualquer de Sílvia Montarroyos. Também esse o recordo com imensa saudade, em particular com a história da Bola de Sabão que adormecera num mundo limpo e lírico de campos e rios cantantes e acordara para um mundo de fábricas e poluição. Não menos me comoveu o susto do Sapo Ti, que escutara em certo jardim a conversa terrível sobre um sapoti apetitoso e que decidira fugir para escapar às facas de cozinha … Coisas da língua, coisas da vida que eu amava já com escrúpulos de intelectual.

Volto à História Universal de H. G. Wells. Sempre nutri um fascínio especial pela história, induzido pelas lendas que me narrava o meu pai à noite, junto da lareira, histórias reais e fantasiadas, como as façanhas de Viriato contra os romanos ou a Tomada de Lisboa aos mouros por Afonso Henriques. Mas Wells ia muito mais longe, levava-me ao começo do mundo, ao Big Bang, depois aos dinossauros, depois aos primórdios da civilização. A sua História vinha acompanhada de legendas, de ilustrações que me espantavam, sobretudo no tocante às criaturas primitivas, cujas escamas, chifres e mandíbulas monstruosos me faziam sentir tão mais confortável neste tempo de quietas galinhas e gatos preguiçosos.

O livro vinha escrito numa linguagem escorreita, apenas negligenciada por grossas manchas de humidade que o anterior dono não fora capaz de precaver. Um crime. E o criminoso deixara também surripiar umas quantas páginas no final e a capa. Teria dado já então todos os meus porta-chaves em troca de um exemplar integral daquele cartapácio repleto de sagacidade e amistoso arianocentrismo. Creio que o volume terminava algures no período de formação do império de Alexandre Magno, depois de novelisticamente nos deixar a par de todas as intrigas da corte de Filipe, seu pai.

Com os Contos da Montanha de Miguel Torga sucedeu algo parecido. Li-lhes com paixão a linguagem incontida, onde o realismo cru (com inúmeras agulhadas do calão) e as boas intrigas se combinavam rudemente. O volume não vinha em melhor estado do que outro, muito semeado de notas a lápis sublinhando passagens obscuras de mulheres adúlteras, homens castrados, ladrõezecos de sacristia e beatas hipócritas. Mesmo sem compreender completamente aquela escrita, achava-a verdadeira, naquilo que a verdade pode em literatura significar autenticidade e beleza.

Li-o umas três vezes de fio a pavio, admirando o seu exotismo montanhês, absorvendo as suas expressões regionalistas, rindo nos mesmos sítios onde a parvoíce das personagens ou a graça do narrador galgavam os portões do sono e aqueciam (até a fazer cheirar a queimado) a lâmpada do candeeiro.

Dessa sucessão terrível de peripécias ficaram-me em particular os contos «A Ressurreição» e «Um roubo». Quando anos mais tarde pude lecionar nas minhas aulas o último destes dois, foi com choque que me apercebi de como Torga já não criava leitores entusiastas.

Os anos, a informática, a pós-modernidade reduziram Faustino e a sua tentativa gorada (“numa noite medonha, cheia de água”) de assaltar a capela da Senhora da Saúde em qualquer coisa semelhante a uma pilha de palavras incompreensível e enfadonhas…

Julgo que há uma idade em que nos podemos tornar tudo.

Nessa época em que os livros começavam finalmente a circular cá por casa, desisti dos velhos arroubos panificadores para me concentrar no poder (incrivelmente abstrato) das palavras. Quis ser professor de História, depois cientista (antropólogo, talvez), depois jornalista, depois professor de Língua Portuguesa, enfim escritor. Já aos catorze anos, quando acabei «Madalena», o meu primeiro conto (que haveria de queimar com muito outro entulho pessoal no fim da licenciatura), sabia que as grandes escolhas se devem a acasos tão ridículos como o dar de caras com dois livros esfarrapados e cheios de sabedoria.

Nessa altura não tinha computador nem sequer a máquina de escrever – que viria anos depois –, apenas sebentas de papel reciclado e canetas da Bic. E também o resto que já não sei, nem quero explicar…

FAZER VERSOS

Boy (Vedran Vidak)
Fotografia de Vedran Vidak

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Metade da minha turma reprovou no final do 5.º ano. Éramos uma turbamulta pouco polida e mal preparada intelectualmente. Eu escapava. Quem o dizia era o Padre Lobo, professor de Religião e Moral. Mesmo assim fui obrigado a pedir desculpa, diante de toda a classe, e em pé, sobre o estrado, à professora de Educação Visual, por me ter envolvido durante uma das suas aulas de desenho numa zaragata artística com o meu primo Barnabé. Cada qual usou a respetiva régua T para sovar o outro. O resultado foi ficarmos os dois com a cabeça rachada e inundarmos as nossas e as mesas dos colegas com restos de plástico.

De maneira que o primeiro dia de aulas no 6.º ano foi um terror, não fosse eu um intruso no meio daquela gente toda que se conhecia e se dava de cotovelos para me indicar. Eu era o tipo novo. Senti saudades dos velhos terroristas. A tal ponto que os olhos se me afligiam com a água teimosa que os queria submergir.

Estávamos em Língua Portuguesa, a primeira de todas desse ano letivo. Isto porque a professa dessa disciplina era também a Diretora de Turma. E viva aflição nos causou, porque nunca sorria e à medida que ia dando informações lançava-nos grandes olhos de coruja, que pareciam espiar-nos até para lá da sombra dos pensamentos. Tinha para além desta outra afinidade com uma ave de rapina: o seu fino nariz adunco, uma espantosa curvatura semelhante ao bico de uma águia.

De maneira que esmagado pela hostilidade geral tive o estranho pressentimento de estar a viver bem acordado um dos pesadelos da infância. Aquele seria um dia longuíssimo num ano que nunca mais teria fim. Tudo era tão distante de tudo que até as férias, acabadas no outro dia, me pareciam já um remotíssimo adeus por correr das memórias.

A professora continuava a comandar a tropa. Ditava umas coisas, apontava outras no quadro. Para umas coisas e para todas usava o mesmo tom de voz excessivamente imperativo. Falava áspera como as senhoras da Secretaria ou como a velha catequista que nos treinava para a Comunhão Solene. Depois das saudades dos antigos colegas, vieram as saudades do professor de Língua Portuguesa do ano anterior, que era jovem e se chamava Miguel, que nos lia histórias incríveis de todas as épocas e de todas as civilizações da Terra. Nas suas aulas ninguém ousava portar-se mal, porque cada minuto perdido era verdadeiramente um minuto a menos de magia. Chegávamos a esquecer-nos do tempo! O toque de saída era muitas vezes acompanhado de expressões de pesar, como quando somos forçados a interromper um sonho magnífico.

Mas isso fora antes. Agora tínhamos aquela senhora que berrava a cada cinco minutos; que se esganiçava para exigir que levantássemos a mão se pretendíamos falar; que aplicava palmadas violentas no tampo da sua mesa se lhe cortávamos o fio à meada. Foi então, terminadas todas as explicações práticas, que pretendeu conhecer-nos um pouco melhor. Perguntou o que gostávamos de fazer nos tempos livres. E o Alberto Carlos, que era o número um, explicou com o seu timbre grave o que fazia nos seus tempos livres: ajudar os pais com o gado. Houve uma risada geral. Também me ri. A professora ainda esboçou o ar de quem ia fazer o mesmo. Mas cortou a galhofa no seu jeito militar. Depois do Alberto Carlos seguiu-se a Anabela, depois a Ana Isabel e o César, a Daniela e por aí diante até chegar a minha vez.

Quanto a mim, francamente não sei o que me deu. Nunca o pude apurar. Eu, que adorava jogar à bola, meter-me em bulhas, trepar aos bardos mais altos da vinha do meu avô, que passava horas a jogar aos cowboys e ao esconde-esconde, que me pelava por grandes passeios de bicicleta e por mergulhar no riacho, alto da pontezinha romana ao lado da antiga leprosaria, disse que gostava de fazer versos.

Foi uma assuada trocista, miúdos da frente a fingir que tinham de segurar na barriga, meninas com a tacha arreganhada atrás, pateada à direita e à esquerda, piadas sussurradas de todas as bandas, “Copinho de leite”, “Coninhas”, “Grande maricas”…

Com que então eu gostava de fazer versos

Bem podia ter dito que ajudava o meu pai na tecelagem, trabalhando como gente crescida à frente de máquinas como o caneleiro de dez fusos. Podia ter confessado que gostava de desenhar e de erguer miniaturas de casas e igrejas com cartão (demonstração de talento arquitetural que se me apagou lamentavelmente com a idade). Podia até, para angariar rapidamente camaradagem, explicar que gostava de namorar com meninas bonitas de olhos azuis. Mas não. Fiz saber que gostava de fazer versos

Entretanto, ouviu-se um grande som de vergasta. Com uma espécie de antena de rádio toda estendida, em riste, mais assustadora ainda, a Diretora de Turma avançou uns passos, fê-la embater com estrondo no caderno diário de um colega lá da frente. Todas as cadeiras se colaram ao chão. Os olhos da coruja varreram então por uns segundos a sala à cata de prevaricadores. Mas a vergasta podia muito. Depois o aquilino nariz respirou melhor e a própria voz, mais doce, mais falsete, disse:

— Muito bem, João Ricardo!

E repetiu o “Muito bem” tão enfática quanto desnecessariamente, pois a minha reputação estava arruinada. Acrescentou até, com certa nostalgia, que havia ficado muito surpreendida com a minha resposta, que nunca tal ouvira em trinta anos de serviço. Por fim, quase amistosa, quase amiga, fez saber que eu só podia ser um menino especial. E o seu sorriso desabituado fez-se notar ao de leve nos lábios cheios de pregas e batom vermelho.

Guardei sempre esta memória como talvez se guardaram numa caixa de sapatos calendários de antigos jogadores do Benfica, cromos do Dartacão ou um maço de cartas de amor. Puro instinto afetivo.

Claro que sobrevivi. Primeiro por causa da fama de grande batoteiro nos jogos de cartas. Segundo porque era um centrocampista exímio. Depois porque a minha costela donjuanesca vinha já dando frutos notáveis por esses dias. Mas os olhos vorazes e o nariz adunco exigiam-me também provas.

Li nessa altura muito almanaque de igreja, muita quadra popular, muito António Aleixo. Aprendi com efeito a rimar, e a rimar com esmero, com sofisticação técnica. E não apenas a rimar, mas também a metrificar os meus versos, a enfiar neles toda a porção de filosofia e de engate que me assistia aos doze anos.

Foi o tempo em que me fiz poeta. E como todas as grandes decisões, tenho de o confessar por respeito à verdade, apenas por uma sucessão de improváveis peripécias, como as que descrevi.