ELE SABIA

A_Leiteira_Vermeer
Johannes Vermeer, A Leiteira, ca. 1657

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O vento punha-se a titilar nas ervas altas e era bom. Era livre. O sol caía em cachos na toca dos grilos e era belo e livre. Os miúdos saltavam os muros e corriam livremente pelos talhões de margaridas e era maravilhoso vê-los. O pintor compunha sem pressa o azul do mar ao fundo e o pé robusto das árvores ao perto e era muito agradável, agradabilíssimo, prestar atenção ao vento e ao sol e às crianças a voarem juntas pelo prado.

O poeta, no entanto, preferia a chuva e o silêncio. Preferia, sem dúvida, o canto mal aceso do seu carvão, a odor forte do seu tinteiro, o peso enorme dos seus versos impregnados na solene tristeza dos poetas. Era um desses homens infelizes para quem a simplicidade das coisas não faz sentido.

Quando a rapariga que vendia o leite lhe bateu à porta, com as faces cheias de rubor e o coração aos saltos, o poeta não encontrou as palavras certas para responder à saudação. Dentro de si as verdades tinham a dureza do mármore e o espontâneo cansaço de uma mesura.

A rapariga amava-o e ele sabia. Mas não era capaz de viver com a alegria ingénua de um grilo, só com o ímpeto de um tigre enjaulado. Era a sua pena e ele sabia.

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