Sombridão

Fotografia de Bernard Tuck

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Era na penumbra que António se esconsava. As sombras – digamo-lo – dão-se bem com a miséria e com a vergonha dos doentes. Foi, portanto, numa das entranhas do casebre que o ancião escutou o chamar da enfermeira.

– Boa tarde, Sr. Paupério!

A voz, rouca de solidão, tardou-lhe, vinha embargada, num fio de água a nascer em fundo de poço.

– Boas tardes!

António tinha a barba por fazer. Rala e com restos secos da sopa, compunha-lhe um ar mais pobre e uma expressão mais triste.

– Então? Como estamos hoje?

António Paupério, velho mineiro, pai de cinco rapazes e de outras tantas moças, não sabia como estava. Hoje era uma palavra tão odiosa quanto as outras, tão pungente como as que lhe dinamitavam o peito.

– Estamos bem, graça a Deus!

E as lágrimas começavam. Era árduo senti-las, dificílimo represá-las, impossível pôr-lhes uma escora no sítio onde batiam mais em pedra.

Um homem acostumado à força da picareta e aos puxões brutais das rodas do sarilho, afeiçoado ao fundo da terra e ao cheiro da pólvora, domado pela treva e pelos acessos da silicose, não entendia como as putas das lágrimas o deitavam assim abaixo.

A enfermeira sorria e falava-lhe com voz mansa, com a pele ternurenta das mãos.

Ele, António Paupério – palavra de honra –, não compreendia porque sufocava.

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