
.
‒ Nestas circunstâncias, o melhor é contar sempre com um segurozinho de acidentes pessoais. – explica o cavalheiro anafado, que enverga um casaco de peles zibelinas.
‒ Melhor, sem dúvida… – assentem os outros senhores, ensalsichados noutros casacos de pele e de charuto ao canto da boca.
Um paquete do Grand Hotel ajuda a levantar a rapariguita. Bem se vê quem ela é: uma pobre, uma aprendiza de costureira. Escorregou nas pedras polidas do pavimento. Está agora a recalçar o botim esgarçado. O moço apanha o embrulho, que ela num instante recolhe e faz sobraçar. Quer seguir, ir, fugir. Sente embaraço. Muita vergonha.
‒ Uma apolicezinha hoje em dia é tudo. – conclui o cavalheiro obeso, que vigorosamente atravessa o peristilo do hotel, seguido pelos outros conspícuos senhores do grupo síndico. – É preciso cautela. Paris no inverno é particularmente traiçoeira. Quem está habituado à patinagem sabe do que se trata: um movimento em falso e zás, está-se estatelado no chão. Muita cautela, Messieurs…
A rapariga tem pressa. Quer sair dali, escapar aos olhos de peixe dos transeuntes. O moço de farda pergunta-lhe se se sente bem. Sente-se bem, já disse que sim. Bom trabalho teve ela para engomar os vestidos de Madame Dousseau. Tudo embalde, como se vê… Um joelho esfolado, um braço dormente, pouco mais. Que bracinhos tão finos. Lembram os gravetos do Bois de Boulogne que os garotos usam para os bonecos de neve. Ela aconchega o casaco. É engraçado. Tão curto nas mangas que faz sorrir. Que tonta.
Alguns caem, outros levantam-se, todos seguem a estrada do seu destino. O da moça já lá vai à frente, na esquina do Magasin Fragonard. O paquete gostou do seu rosto, das suas lágrimas escondidas. Gostava de lhe ter falado, de lhe ter valido, de a ter acalentado. É uma manhã de dezembro, como tantas outras. A Belle Époque é sobretudo isto: bela!