
Qutuz, o sultão, rei dos mamelucos, decretou a proibição dos sonhos. Que ninguém sonhasse, sob pena de se lhe ser oferecida a viagem, violenta, para o mundo dos mortos.
Ninguém sonhava, portanto, no Cairo e em todo o vasto país que descia com o Nilo e se dirigia a leste, para lá do Mar Vermelho, até à Península Arábica. Ninguém sonhava. Sonhar era um veneno, tão nocivo quanto um preparado de cicuta ou a cuspidela certeira de uma naja. Por causa dos sonhos os homens acolhiam recados dos anjos e dos demónios, por causa deles erguiam esperanças, alimentavam revoluções, depunham imperadores, cortavam cabeças. Mesmo os sonhos mais comezinhos e inocentes (os que vogam no interior dos olhos das crianças, por exemplo) potenciam desgraças, inquietam a castidade das paredes domésticas, abrem grandes brechas na terracota, juntam-se aos beduínos tresmalhadores, conspiradores, urdidores de guerras e de mártires.
As mulheres apertavam grandes lenços negros à cabeça, para que as suas noites fossem tão escuras por dentro como por fora, sem estrelas, sem luar, sem oníricas imagens e vozes que pudessem ser recordadas de manhã. Os homens prendiam aos pulsos grilhetas e pesadas esferas de chumbo, não fossem as suas mãos tentadas a levantar-se no imo do deserto e segurar as rédeas de um dromedário, o cabo de um alfange, a frente de uma rebelião. Às crianças amordaçavam-lhes a alegria, o entusiasmo, a euforia. Tão pouco lhes destapavam a boca durante o descanso, porque muitas vezes é na calada do sono que se lavanta mais alto o mais fundo e irreprimível dos destinos.
Foi então que nasceu a lenda. Alguém se lembrou de afirmar que comendo tâmaras se obtinha o silêncio e o segredo tão asperamente procurados por toda aquela geração de não-sonhadores. Era como a resina da goma arábica com que se calafetava os interstícios no adobe para impedir que os escorpiões penetrassem sorrateiros nos quartos. Comendo tâmaras, ficava a boca tão saciada e tão fechada quanto a gula do sultão quando lhe traziam jovens amantes para serenar as desconfianças e horrores noturnos.
Em todos os bazares do reino tornou-se este fruto mais procurado do que o ouro ou a seda. Transacionava-se um punhado de tâmaras secos por caxemira pura.
Por essa razão deixaram os pobres de poder comê-las. Por causa dessa fome, não puderam nunca os pobres deixar de sonhar.