
.
Os velhos fascistas, amargados como tubérculos na terra, reuniam-se à noite na taberna de Albertino. Não havia grandes palavras entre eles. Os fascistas, velhos ou novos, são incapazes de grandes palavras, só das necessárias.
Com o vinho as palavras, mesmo poucas e depauperadas, passam a pesar significativamente, mais ainda na boca de velhos agarrados ao palato sabujo de antigas palavras de ordem.
– Tudo a bem da nação! – atirava de chofre um dos irmãos Oliveira, o de cara amareliça, cor de ovo recozido.
– Tudo a bem da nação! – replicavam os outros fascistas, erguidos num ímpeto do seu sono aranhento e tubercular.
As cartas corriam das mãos ao pinho, do pinho às mãos. Albertino, com a sua gravata verde e o seu alfinete de ouro em forma de esfera armilar, servia a mesa do Henriquinho e a do Laurindo, servia a malga do António e a caneca do Severo, servia os Oliveira, os Guimarães, os Alves, os Costa, o Fiolhais da Farmácia, às vezes o Padre Aníbal. A taberna era espaçosa, a noite uma grande saudade, as paredes uma coleção de retratos: a do Professor Salazar, a do Presidente Tomaz, a do Cardeal Cerejeira, a de garotos lendo o Thesouro da Mocidade Portugueza, a da malta da Legião esticando o braço e, agora, mais recente, a do comentador de futebol.
Todos os fascistas veneravam o tinto nacional, o bacalhau frito, o respeitinho pela pátria. Não havia um único pássaro na taberna do Albertino.
– Os pássaros são para estar nas gaiolas! – dizia o Albertino.
– Os pássaros são para estar presos nas gaiolas! – respondiam os demais fascistas.
Tanta liberdade e tanta alegria para uma só e mesma criatura parece-nos, de facto, um afoitamento desmedido, um manifesto, um perigo.
– A bem da nação…
– A bem da nação! – redarguia, com os bigodes a pingar de carrascão e olho vermelho, o Eduardinho, o menino da Dona Quitéria, o mais novo deles todos, apenas vinte e cinco anos, velho que metia dó.
.







