
Era ali que ficava a casa. Câmaras de vigilância sugavam a toda a volta dela os latidos da rua e os sussurros da bisbilhotice. Nada escapava ao cuidado do vendedor. A mulher tocou à campainha. Vinha de longe. Aquele homem foi-lhe recomendado. Tocou mais vezes. Teve de esperar.
Por fim, um gordo com porte bovino abriu-lhe o portão. De seguida fê-la entrar no seu gabinete, observou-a com interesse, achou de imediato na sua magreza um modo de a consolar.
‒ Minha filha, tu estás muito doente…
A mulher contou tudo, chorou. Todos os obstáculos do mundo pareciam ter-se abatido sobre ela em simultâneo, vinha de longe, alguém lhe dissera que ele a podia ajudar.
Depois foi a vez de o gordo discorrer. A doente escutou palavras complicadas, que a tornavam alvo de uma conspiração de maus-olhados, sortilégios, vilezas sem fim. O gordo explicou que seriam precisas paciência, força de vontade e, sobretudo, a sua ação mediadora. Não disse que o dinheiro tinha o poder de um antídoto. Disse que o poder das orações, das suas orações, junto com uma miscelânea de alecrim, incenso e terra de um cemitério conseguiriam curá-la.
‒ Entende ‒ disse ele num modo de advertência ‒ estas forças malignas são obra de um inimigo poderoso, de alguém que te deseja a morte!
A mulher, desfeita em lágrimas, aluída em cansaço e desilusão, não sabia bem o que entender, nem se a decisão de ter vindo havia sido realmente a melhor.
Desde o divórcio a sua sorte mudara. Mudara tanto que ainda não conseguira voltar a trabalhar e, por causa disso, já quase nada sabia dos amigos, que a evitavam por não lhe suportarem a melancolia atroz. A história atual resumia-se a uma luta contra a vontade de chorar e contra a falta de apetite, contra as cefaleias e contra a aversão provocada pela vida. Era pele e osso, um corpo vencido pelos nervos, pela nostalgia, pela astenia, pela insinuação tremenda do sono suicidário.
O gordo entalou os indicadores nas frontes da mulher e pôs-se a babujar palavras incompreensíveis. As pálpebras descerradas começaram a tremer, as palavras pareciam girar com os dedos num movimento de alarde, galgando as paredes, sumindo-se pelas frinchas como uma horda de demónios.
Depois, como acometido por choques elétricos, o principiou a estrebuchar, a soltar roncos temíveis, a barafustar consigo mesmo, como se se travasse uma batalha. O gordo sabia vender bem e com arte o seu espetáculo!
Exausta, com as frontes magoadas, a mulher queria só libertar-se, sair dali, daquilo, expulsar o maldito que a amarfanhava.
O gordo parecia agora sossegar, regressar a si. Pôs-se com as mãos juntas a orar. Por fim, persignou-se com uma lentidão teatral e olhou-a de novo com interesse untuoso. Era um vendedor. Tinha ali toda a uma gama de soluções abaixo do preço de mercado.
‒ Minha filha, precisamos de começar já, antes que o mal te engula!
Sem resistência, num torpor de carneiro sacrificial, a mulher doente limitou-se a dizer que sim.
«Todas as soluções se obtêm por caminhos tortuosos.» Não nos recordamos do autor desta frase.