AMORES-PERFEITOS

Mariya Muschard
Fotografia de Mariya Muschard

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O mais difícil neste mundo é encontrarmos uma pessoa satisfeita, alguém que confesse com inteira sinceridade o estado de plena, consciente e feliz aceitação da vida que leva.

Era no que pensava quando vi a mulher a aproximar-se, a deter-se no canteiro dos amores-perfeitos, a sorrir para as pluminhas negras ao redor da corola.

Que espécie de pensamento pode ocorrer a alguém que caminha sem pressa e se põe a admirar pétalas tão precocemente enlutadas?

Era no que pensava quando a mulher se voltou um pouco e o clarão da luz solar a atingiu em cheio no rosto. Os olhos (pareceram-me verde-água) e os cabelos loiros faiscaram. Não duvidei que fosse bonita, visto que fiquei a admirá-la com gosto. Por causa dessa luzência, que a encandeou, não pôde reparar em mim. Teve mesmo de semicerrar os olhos e de se defender, retrocedendo aos amores-perfeitos.

Desta feita murmurou alguma coisa. Parecia tomada de uma frase, de uma pequena oração, de uma memória, dita a si mesma num tom que pudesse ser escutado unicamente por si.

Não tenho descanso nestas coisas. Nunca me dou por contente em apenas observar. Preciso de saber mais, de saber tudo, de saber até um pouco mais do que tudo.

Que curtas palavras eram aquelas? Como se chamaria a mulher merecedora da minha atenção? A que se dedicava na vida? Quantos anos teria? E porque se deixou maravilhar por uma planta tão feia?

Era no que pensava eu, cada vez mais propenso a misturar-me na caminhada, na manhã, na vida desta simpática transeunte.

Sou indiscretíssimo!

A mulher deve tê-lo notado. Estugou o passo, atalhou não sei por onde nem para onde.

Senti pesar e vergonha. Aliás, deceção. Não pertenço ao rol exíguo das boas almas a que me referi no início deste texto.

Permiti-me encarar as florinhas fúnebres ali no meio da praça. Deslizei a polpa dos dedos pelo aveludado do seu corpo. Senti-lhes o aroma subtil, murmurei qualquer coisa como isto “Que raio de cor para amores-perfeitos!”

Alguém em frente seguia os meus gestos com inesperada atenção.

Não lhe pude alcançar imediatamente o aspeto, por causa do sol abundante que caía no meu rosto como uma cascata de fogo.

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