O DESERTO É UM BOM LUGAR

Dunas, deserto, Marrocos, areia vermelha
Fotografia de Jörg Peter

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O beduíno Nasser Yubanim atravessa uma vez mais aquilo a que chamam erg, dunas avermelhadas e escaldantes, paredes duras de areia cantante e perfumada, em cujo dorso o vento se contorce como uma serpente. Custa-lhe imaginar que possa existir no mundo outra paisagem tão bela e tão próxima de Deus, exceto nos oásis à noite, quando o som da água e as estrelas por cima da copa das palmeiras se entendem, uma com as outras, como as palavras meditadas no Corão.

Disseram-lhe uma vez que existem tantas estrelas como grãos de areia na Terra. Duvida que possa haver no universo o que quer que seja em número maior do que estes minúsculos pedaços de rocha erodida. Leva os pés cansados e ardentes. A cáfila segue-o atrás de si como segue ele o seu destino: de uma casbá para outra casbá, adiante, sem perguntas.

Também lhe dizem que noutras paragens do mundo há gente ociosa, gente que descansa ao sol, que brinca na água, que se diverte com a fútil alegria da riqueza e do poder. É algo em que dificilmente pode crer.

Na sua cabeça sobra apenas lugar para o coração e no coração manda somente a sua cabeça limpa e sincrética: nascemos para uma jornada de transformação e transformamo-nos caminhando em direção a Deus. O deserto é uma provação, mas é um bom sítio para se conquistar a simpatia e o respeito de Alá. O beduíno Nasser Yubanim não dá ouvidos a quem lhe assegura que há lugares onde caberiam cem mil oásis juntos. Para que quereria Deus esbanjar o Paraíso?

Não, este é o lugar perfeito para se ser perfeito. Por isso, as sandálias exasperam-me, a sede agasta-me, o ronco insano destas paredes movediças atormenta-me. Os escorpiões e criaturas rastejantes afugentam-me, o sol e o vento mordem-me e açoitam-me, mas estou na direção certa. Nada pode existir mais belo e mais nobre do que caminhar assim, sem despojos, nem ilusões.

É um homem simples, sem dúvida. E como ser-se na verdade de outro modo? Que adianta dissipar o tempo, adiando-o?

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2 Replies to “O DESERTO É UM BOM LUGAR”

  1. Ao ler este conto, Ricardo, fizeste-me viajar para um lugar exótico. Quem diria que o deserto pudesse ser tão belo e ( como tu escreveste) tão ” perfeito “. Gostei muito de o ler e vou relê-lo porque fazes referência a tantas coisas especiais, como a cor, os ruídos da areia e até o cheiro das dunas.

    Magnífico! ❤

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