A TOKAREV

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Fotografia de Bananayota (Pixabay)

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O desespero levou Bartinik Sendecki, na manhã do vigésimo nono aniversário, a procurar certo tijolo esburacado onde escondia uma anacrónica Tokarev TT 30. Não pôde retirá-la de dentro da peúga sem estremecer: ao fim e ao cabo, uma arma – qualquer que seja a sua forma origem, a sua idade, a sua forma de matar, é um objeto incerto e um teste ao livre-arbítrio.

Cansado, doente, sem dinheiro, vítima do azar, da solidão, de si mesmo (aos poucos começava a odiar-se com fanatismo), Sendecki dispunha de um recurso inestimável: o poder de fogo de uma pistola que andara no coldre do bisavô durante a Segunda Grande Guerra e que desaparecia e reaparecia agora a cada vinte anos, à medida que mudava de casa e de mãos e que por uma ou por outra razão, era preciso ocultá-la das rusgas da polícia.

O que fazer?

Sendecki imaginou todos os cenários: suicidar-se, assaltar um banco, penhorá-la. O desespero, embora seja bastante dramático. Abandonou o apartamentozinho decrépito na Wawrzyszew disposto a mudar alguma coisa, a cometer um ato, a avançar nalguma direção.

Tinha fome. Para sermos rigorosos, não comia em condições desde que lhe comera um prato de Żurek cinco dias antes. Quando cruzou a terceira esquina, na Sándora Petöfiego, em direção ao Parque Wyspa, deteve-se diante de uma furgoneta amarela e azul. Era um dos milhares de negócios ambulantes de Varsóvia. Vendia cachorros quentes e sodas. O cheiro das salsichas aquecidas, embrulhadas em molho e pão, tão perto das suas narinas e da sua boca embruteceu-o.

Decidiu roubar ali mesmo o primeiro instante da sua nova vida. O que tinha a perder?

Mas não foi capaz. A rapariga, de um louro fulvo e sedoso, Anna Gralówna, sorriu-lhe com enorme simpatia. Tinham sido colegas de carteira na escola preparatória, tinham fumado juntos um dos primeiros cigarros, tinham dados beijos e trocado carícias.
«Há quanto tempo, Bart!» foi o que conseguiu escutar, antes de cair de borco no cimento duro.

Nada mais terrivelmente humilhante do que confessar a imprudente tristeza de não ter que comer. Anna fez questão de lhe segurar o cachorro nas mãos, enquanto disfarçadamente secava as lágrimas com as costas da mão. «Bartinik Sendecki, temos muito que conversar. Temos sim, meu menino!»

No interior do bolso, a Tokarev pouco pesava. Muda e cheia de vergonha, esforçava-se por se manter quieta. Muito mudados estavam os tempos na Polónia. Limitar-se a ficar oculta, como uma mentira precocemente inutilizada. Se isto era coisa que se fizesse a uma filha da Revolução! Se era!

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