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Não resta muito a um homem senão falar das cisas. No desespero, as palavras são tiras de pano embebidas em água fresca sobre uma testa a arder em febre.
Noam Halliday desabafou com um amigo sobre a sua intenção de morrer cedo. Possuía o grande horror de envelhecer sozinho, de ficar como um pássaro desvalido, preso ao seu próprio corpo e através de longos anos de definhamento físico, sem que mãos e olhos bondosos fossem capazes de o ajudar e – mais ainda – de tornar a sua existência suportável até ao fim.
– Não serei um monte de estrume a enojar todos os que forem obrigados a limpar-me o cu e a porem-me morfina nas veias. Não serei um estorvo, Tom.
Justamente Tom Fleetwood era de opinião de que se vivesse a toda a brida, com o pé no acelerador, sem olhar jamais para trás ou para os lados, apenas em frente, entusiasticamente.
A sua experiência de ex-piloto da força aérea tornara-o blindado aos efeitos mesquinhos da visão colateral, porque – mobilis in mobile – o nosso alvo se obtém nas vertigens, em voo picado, em piruetas doidivanas com a adrenalina no máximo.
– Vive um dia de cada vez enão penses tanto, Noam! Se perdes um segundo a pesar, estás feito. És um monte de sucata ardida antes de te tornares, como dizes, um monte de estrume. Não te deixes dominar, homem. Liberta-te!
Mas Noam pensava. A vida não se lhe parecia nada com uma experiência de voo. Nem sequer com uma corrida de cavalos. A vida é uma coisa de caracóis, um fio de baba segregado devagar, como se não déssemos por si e, de súbito, zás, um pé em cima, esborrachando-nos até ficarmos uma nódoa no chão.
Julgamos interessante este diálogo. Não decidimos, porém, o nosso apoio a qualquer uma das duas partes na porfia, ou – se preferirem – em colóquio amigo, em divagar alegórico, em contaminar singelo de horizontes e opiniões.
