A Grande Onda

Katsushika Hokusai, A Grande Onda de Kanagawa, c. 1830
Katsushika Hokusai, A Grande Onda de Kanagawa, c. 1830

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A GRANDE ONDA

Muitas vezes ocorre sermos surpreendidos por uma espécie de fadiga que pulveriza tudo aquilo de que gostamos e que parece ceifar pela raiz o tronco das nossas emoções. Sentimo-nos cambalear por dentro, ébrios de uma paralisia implacável, sonâmbulos de uma morta temporária, derribados por aquilo a que os anciãos chamam de fastio, ou os poetas de acídia, aquilo a os psiquiatras chamam de astenia ou vulgar, indiferenciadamente, desgosto, depressão, tédio.

Quando somos tragados por essa onda – e é impossível não evocar aqui aquela que Hokusai pintou, engolindo as pobres barcaças dos pescadores de Kanagawa – resta-nos muito pouco, praticamente nada, como se perdurássemos numa existência de cinzas e de silêncio.

Acontece, no entanto, sobrarem na grande viagem dos dias e dos anos alguns farrapos de milagres. Depois da fadiga, do marasmo, da paralisia, sobrevém sempre uma época de brilhantes aberturas da alma. Reacende-se nela, tal como uma chama que se aviva nos carvões mal apagados de uma lareira, o sentido da existência, o fio das palavras, o lampejo da alegria. É o tempo mais fascinante da nossa vida, aquele em que se opera a redescoberta do Eu e da Fé.

04.11.2024

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