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Perder umas eleições como as que perdeu Rubens van der Meer no ano passado é um golpe duríssimo. Primeiro sentiu uma fúria incontida em relação à maioria de idiotas neerlandeses que preferiram o seu oponente, Andries Michels, um tecnocrata corado e mentiroso, nascido nos viveiros políticos do partido liberal, incapaz de uma ideia desempoeirada e de uma palavra autêntica. Depois, aos poucos, deu-se conta de que o molestavam os corredores, os assentos do seu próprio partido, onde se mastigava a mesma doutrina e onde medravam à sombra cogumelos tão venenosos quanto os que via do outro lado da bancada parlamentar.
O desencontro progressivo com os meandros deste ofício de governar e antigovernar conheceu um episódio significativo na manhã de 17 de março.
Nesse dia e após horas consecutivas de chuva torrencial, Haia acordou num caos de sinalização luminosa, barreiras de proteção, agentes da polícia com oleados gesticulando veementemente: por toda a parte se via água a emergir das sarjetas, uma água suja, salgada, malcheirosa. Rubens van der Meer considerou, ensimesmado, que se usassem na câmara baixa as mangueiras dos bombeiros e lavassem com elas os gabinetes, as galerias dos deputados, a boca dos membros do governo, a massa vil de todos os que ali fazem carreira, imaginou se usassem água de pressão em quantidade suficiente para uma higienização razoável, sairia um enxurro tão turvo, tão porco, tão podre como esse ludro que paralisava as ruas da cidade naquele momento.
A decisão de se demitir não apanhou ninguém de surpresa.
E, porém, todos se apressaram a comentar a sua coragem e retidão, a remeter-lhe mensagens fraternas de solidariedade.
Rubens van der Meer não respondeu a nenhuma delas. Em vez disso, partiu em silêncio para a ilha de Schiermonnikoog, onde comodamente se instalou com a mulher, com o cão e com a biblioteca.
Na época boa, quando os ventos amainam e o mar vem enroscar-se nas dunas recobertas de gramíneas, vemo-lo caminhar lentamente pelos longos areais, descalço, sem telemóvel, aspirando em grandes sorvos o ar frio. Não podia imaginar que a fala oceânica possuísse diferentes fonemas. Nem sequer que, entre os grandes penedos húmidos, os belos ostraceiros de bico alaranjado pudessem exibir um talento tão ostensivo. A sua missão não é outra senão criar esquecimento.
Reconheçamo-lo: a obra mais pura de um homem é justamente essa intrigante forma de apagar memórias inúteis.
Perder umas eleições como as que Rubens van der Meer perdeu no ano passado pode ser a melhor coisa que sucede na vida de um homem. O arquipélago frígio é um território delicado, ele próprio fruto de um combate imenso. Quando a mulher – a bela Margriet de olhos verdes-abacate – o alcança e o abraça, não duvida que as pequenas coisas são as únicas por que vale a pena entregar a alma.
E, no entanto, não encontrou ainda um modo de esvaziar o seu ódio, os seus múltiplos ódios guardados e entranhados, o seu sentimento de justiça por cumprir. Um dia (sabe-o no mais fundo de si) espera ainda o poder de se desforrar…