UM PEDREIRO

Fernando Silveira
Fotografia de Fernando Silveira

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Era um pedreiro quase analfabeto, originário de uma das aldeias mais recônditas de França, daquelas que vemos poisadas como ninhos de grifos nos píncaros das montanhas. No entanto, as suas mãos cortavam, cinzelavam e ornavam os blocos de granito com a prodigiosa sabedoria com que os autores escrevem tratados.

A catedral precisava de obras, por isso, de mãos como as suas. Subiu a um lugar tão alto que nele não se podia caminhar sem o poderoso mal das vertigens. Ficava no campanário, acima do vigamento e dos sinos. Aí, mal disfarçada por teias de aranha, lia-se a seguinte inscrição:

LUCIUSC RECTOR FABRICAE
ANNUS DOMINI MCLXIII

Não compreendeu o que dificilmente podia ler. Também pouco diziam as duas linhas abertas com o escopro. Nelas apenas o nome daquele que no passado conduziu os trabalhos de construção do imponente e maravilhoso templo – outro montês e iletrado, a quem o tempo destruiu o rasto.

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2 Replies to “UM PEDREIRO”

  1. Que bonito. O meu avô materno Sebastião, também era pedreiro, não conheci, mas a minha mãe falava dele com muito orgulho e carinho. Dizia que trabalhava a pedra e que se ausentava muito para fazer o seu trabalho. Obrigada pela partilha! É sempre um gosto ler o que escreve.

    1. O meu avô materno (Manuel Júlio) também era pedreiro. E também se ausentava de casa em longas temporadas. Participou na construção da barragem de Miranda do Douro, por exemplo.

      Muito obrigado pela sua leitura. Um beijinho grande.

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