
Na véspera do dia 2 de fevereiro do ano de 1309, a cidade de Bolonha engalanou-se para a Festa das Candelárias. Por toda a parte, não só nas igrejas, erguiam-se círios e velas em honra de Nossa Senhora da Piedade. Círios e velas malcheirosos, feitos de unto de porco, pelos quais se pagava o equivalente a uma de vinte partes de um gibão. Era domingo, haveria a procissão de atravessar solenemente a Piazza Maggiore, mesmo debaixo do nariz do Conde Roberto.
Mas os estudantes universitários estavam descontentes.
Depois de sucessivas queixas ao reitor, a quem chamavam “O grande sovina”, acusando-o de cobrar exorbitâncias pelos estudos (pela collecta) e de não encher as lareiras da universidade, além de ser conivente com os arrendatários do burgo, também eles escandalosamente apostados em extorquir os pobres rapazes vindos de fora, alojando-os aos magotes em pequenas divisões frias e escuras, decidiram protestar.
Logo que ecoou o sino de São Petrónio, entraram em quantas igrejas puderam, pondo a arder todas as preciosas e caríssimas velas de cera que nelas encontravam. Era um desperdício de luz, um exagero. Pecado extraordinário esse de alumiar o interior cavernoso onde a fé buscava muitas vezes sem esperança o sol divino.
Não pensava assim um dos sacristães da igreja de Santa Filomena.
Furioso, pôs-se a apagar o espalhafato das pequenas labaredas no altar-mor. Mas logo outras, dezenas, centenas, se acendiam nas laterais. Vinha soprar também sobre elas, mas imediatamente outras deflagravam na sacristia, na abside, no interior dos confessionários. Desembainhou o punhal, feriu um dos estudantes, logo foi cercado, manietado, socado. Houve gritos, vieram em seu socorro outros acólitos. Ninguém sabe em que parte do templo o grande incêndio principiou.
Nessa manhã, antes mesmo de o sol nascer, uma imensa cruz de fogo ergueu-se aos céus, consumindo retábulos, tecidos, relíquias, afugentando pelas portas de San Vitale e de San Donato os criminosos aterrorizados, atraindo pelas mesmas portas mesteirais, camponeses, forasteiros estupefactos.
Repicaram os sinos da desgraça.
Era uma ironia atroz: a igreja da patrona das trevas transformada num braseiro, a cidade engalanada para a festa das luzes caindo num assombro incontido, como se em vez de amanhecer, ali anoitecesse.