Cacos

Fotografia de Himanshu Pandey

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A classicista Hilda Ruthgenstein acorda todos os dias cansada. Ergue-se, senta-se na beira da cama, espevita os olhos no escuro, esforça-se por recordar algo com que sonhou e só depois abre a janela do quarto. A abundância de luz e, sobretudo, o ar limpo das manhãs de outubro devolvem-lhe parte da antiga alegria.

Neste momento, todo o seu ser equivale a uma pilha de cacos de uma ânfora que se quebrou. Subsiste em si a ideia de perfeição, mas nenhuma inteireza ou capacidade de albergar premissas labirínticas ou a velha excelência em que foi educada.

Porquê?

Oh, essa é uma excelente questão. Hilda caminha pela casa e vai abrindo uma após outra todas as persianas, uma após outra todas as vidraças. Vencer a paralisia dos gestos é um empenho sério, porque as primeiras conquistas animam as segundas e encadear o sucesso constitui um modo de superar-se.

O seu escritório é a imagem da sua existência: folhas avulsas, não numeradas, de formatos e texturas distintas, livros abertos e sobrepostos, objetos fora do lugar, o computador com marcas de sujidade na tampa e no visor, uma gaveta expulsa do carreto, o busto de Homero tombado sobre papéis de jornais sem cor, eis o que aos nossos olhos se mostra como um exemplo de caos facilmente corrigível.

Todavia, a professora Ruthgenstein não tem vontade de emendar nada.

A doença, a impressão de derrota, a asfixia insuportável que medra no reino dos triunfadores, e, sobretudo, um cansaço imenso, uma fadiga de todas as fadigas, uma fraqueza de se não tolerar fraca e malsucedida corroem-na dos ossos à caverna monstruosa da alma. Hilda Ruthgenstein odeia-se, odeia a sociedade, odeia a cabeça abstrata de um deus que lhe cobra a todo o instante juros sobre sonhos irrealizados, odeia o futuro inalcançável, odeia o presente prenhe de migalhas e armadilhas. Apenas a rememoração de uma pequena parte da infância atenua tudo.

De rosto fito nalgum pormenor da casa em silêncio, extrai um pouco do outrora grande orgulho. Falamos de um klismos onde os seus dedos poisam sem peso. Falamos de quadros com ilustrações da Atenas de Péricles e da Roma de Cícero. Falamos das pequenas estátuas de mármore que figuram Hermes Trismegisto, Júpiter Capitolino ou Minerva. Falamos de uma curiosa ampulheta, vinda de Creta, com grânulos muito finos e luminosos, capazes de erguer uma pequena nuvem de ouro cada vez que Hilda os faz escoar pelo fino gargalo afunilado.

Dentro destas presenças vivem pessoas, baloiçam falas, subsiste uma aura.

Mas a académica não se comove. Nunca se comove. As lágrimas esqueceram o caminho de vir. Sente, isso sim, uma pontada recrudescer, um fulgor ainda não totalmente extinto. É como se dentro do seu ser pugnassem dois exércitos sem misericórdia, dois verbos que a quisessem ora noite ora dia, ora morte ora nascimento, ora a sua pessoa ora ela mesma na verdadeira aceção.

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Algo aconteceu

Fotografia de Fredrik Solli Wandem

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De repente dou-me conta da bestialidade dos homens num ponto em que a jamais sentira na minha existência de quase meio século. Profana-se o lugar-comum, o lugar dos outros, o lugar próprio. Cada pessoa é um inimigo latente, um ódio possível, uma briga, um insulto, uma forma de agressão física, um ato predatório. Dou-me conta do modo fácil como se fere alguém sem causa, sem motivo, sem preocupação pelo que é e significa cada gesto: um condutor abandona a viatura para erguer um braço violento contra o condutor imediatamente atrás de si; um garoto de dez anos profere uma barbaridade na sala de aula, ameaçando de morte um colega ou o professor; um doente morre numa maca de hospital, em frente ao médico que o devia tratar; um presidente calunia e divide os cidadãos do seu país, desprezando o juramento feito sobre a Bíblia; um povo outrora dizimado assassina em massa, justificando a força com a covarde e hipócrita justiça de que se diz herdeiro. De repente dou-me conta de que o sol limpo que corre sobre o parapeito da janela e sobre a mesa lisa do meu caderno é impuro e insuportável.

Busco Johann Sebastian Bach como um leproso busca a sua toca. Busco a infância, a memória dos bons amigos que tive, das caminhadas idílicas para a escola primária, do cheiro ancestral das ervas à beira dos regatos. Busco o rigor das cores, o sentido inequívoco das palavras, o cuidado das unhas, a verdade nos olhos. Havia naquela altura um sentido incomensurável de esperança. Aprendi a respeitar, a agradecer, a ser gentil, a cultivar o bom-humor, a valorizar os belos objetos raros que me ofereciam, a ler com delicado manuseamento os livros, a imprimir o espírito nas pensadas frases que devia pôr – umas atrás das outras – nas composições escolares e nas respostas à subtileza dos diálogos. Busco o silêncio para me lembrar de tudo isso, para escutar as suítes para guitarra, para me desligar da pátina ruidosa que os dias segregam.

Há dias um aluno perguntou-me o que faço para obter inspiração. Por instantes baloiçou-se-me na boca uma banalidade, um chavão, uma resposta pronta. Estávamos numa sala comprida, ladeada de computadores de última geração, respirando o ar impregnado dos cabos e dispositivos eletrónicos. Falávamos de António Vieira e da coragem de discursar sobre o abismo. «Não sei», «nunca soube». E esta é a certeza. Inspiração, como quem abre os brônquios a um ar leve e lavado de outubro, tangendo o orvalho e as folhas muito verdes do funcho e da lúcia-lima, não a sei explicar. A não ser, talvez, como uma grande nostalgia, uma vontade melancólica de reinventar os dias de trás para a frente, como quando o lápis se quebrava na linha nervosa e eu pensava «este não é o caminho». De repente, a humanidade esfarela-se no papel, entumecida de estupidez e de orgulho perverso. E é necessário que alguém diga «este não é o caminho».

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Nausícaa

Fotografia de Annie Spratt

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No final das férias, a alegria extinguiu-se já no semblante de muitos turistas. À medida que a praia vai ficando deserta, com os detritos infelizes que nela abandonaram milhares e milhares de forasteiros descuidados e egoístas, o rosto de Nausícaa parece acender-se. Chegou a sua vez, o seu tempo, a sua paz.

As manhãs de setembro revelam um longo areal branco voltado para um mar cor de chumbo, um e outro a necessitarem de si, da sua fala mansa e desapressada, dos seus olhos benévolos que tudo observam, das suas mãos diligentes e sensíveis correndo sobre a crista escorregadia dos rochedos. Aí deixaram restos de plástico e restos de alumínio e pedaços de vidro e de cartão e de ráfia e redes e tecidos esgarçados e tiras de borracha e mais plástico e mais despojos de alumínio e mais esquírolas ameaçadoras de vidro.

Nausícaa extrai das poças, da linha da salsugem, do manto das areias, dos altos e baixos da maravilhosa duna sem fim todo esse lixo detestável. E cuida das anémonas feridas, das aves pelágicas, das madeiras quebradas nos passadiços, dos canteiros selvagens onde o funcho-do-mar e os rabos-de-lebre e as camarinheiras e a amófila sobrevivem ao vento, ao sal e às incursões malignas dessa gente faminta de fotografias e de admiração.

– Pobres criaturas, como estais tão ressequidas, tão cansadas, tão moribundas!

Em setembro as manhãs orvalham, o frio resvala pela corola, pelas folhas espinhentas, pelo caule antipático dos cardos. O nevoeiro avança e recua, abrindo e tapando no horizonte a linha lisa das águas.

A bondade não deve ser confundida com indulgência, nem esta com a cobardia.

No mundo dos homens há uma paleta tão vasta de comportamentos que pode um poeta pintar quadros repletos de verdade e de justiça, equilibrando-os entre o bem e o mal absolutos.

Nausícaa não pensa nisso. Se alguém a observa, vê-a neste preciso instante a recolher com todo o cuidado formas pontiagudas de vidro e carcaças amolgadas de metal, agarradas como bisso, como sórdidos intrusos, como presenças infames, às rochas nuas, indefesas, subjugadas da sua pequena ilha.

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Uma pilha de livros

Fotografia de Delphine Devos, old books
Fotografia de Delphine Devos

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para a Salomé

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Numa das ruinhas da vila, à esquina com a marginal, mal se dá conta de uma casa pequena de paredes caiadas e rebordos de granito. Deve ter sido noutro tempo o lar segundo de alguma família de bem, como o testemunham o jardim com jacarandás e uma estrutura em forma de estufa, de que sobram hoje troncos e partes metálicas retorcidas: percebe-se facilmente ter sido esse espaço amplo outrora e hoje muito mutilado por força dos edifícios espalhafatosos que cresceram no lugar dos canteiros e das latadas.

Os veraneantes atravessam uma avenida e depois arruamentos mais estreitos e por fim esta esquina silenciosa, abrindo para o mar. Nenhuma alma há de ter posto a sua força contra a cancela enferrujada nos últimos dez anos, de tal modo o óxido tingiu a primeira laje do passeio e se disseminou por todo o corpo desta vivendazinha.

Um escritor, que nesta localidade faz a sua vilegiatura, observou já o curioso limoeiro bravio que na parte mais esconsa do quintal oferece ainda, fordo, o seu fruto avantajado e solar.

Numa das janelas sobranceiras ao lancil, que o destino ou os antigos donos não puderam ocultar, surpreendeu o ocioso forasteiro, sombreada por uma velha cortina de ponto aberto, uma pilha colorida de livros com encadernações de pele e letras de ouro: D. Quixote em dois tomos, O Vermelho e o Negro, Assim Falava Zaratustra, Werther, Otelo, Quo Vadis, Viagens na Minha Terra, O Tartatufo seguido de O Doente Imaginário, O Príncipe e o Pobre, Eugénia Grandet. Outros estariam sobrepostos, mas já a piedosa curiosidade alheia os não atingia por culpa do plástico sórdido da persiana.

O escritor, que manteremos no anonimato, sentiu como um golpe de punhal este abandono particular.

Que uma geração esqueça todo o investimento das gerações precedentes é algo a que obriga a lei absoluta da modernidade. Ainda assim, com que falta de amor. E de escrúpulos!

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Apúlia, 11.08.2025

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Crónica de dois turrões

Fotografia de Alan Pope

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Desde que a minha mãe partiu a casa é uma armação de tijolos presa por arames. Divido a maior parte do tempo com o meu pai, cujos interesses são sobretudo a horta e os trabalhos manuais. E o meu pai divide a maior parte do seu tempo comigo, cuja evasão são sobretudo a escrita e o sonho de uma casa nova.

Vejo-o muitas vezes de sandálias nos pés, sem peúgas, no meio da hortaliça e do cebolo, mesmo nas difíceis manhãs frias de nevoeiro e chuva. Ou então derreado ao sol, sem chapéu, com um alicate nas mãos, a embeiçar uma dobradiça ou a corrigir as tamis de uma peneira. E eu irrito-me com a sua teimosia, com o olhar que me faz de lado como se estivesse mesmo a dizer-me:

Vai para o raio que te parta.

E preciso de aspirar uma grande quantidade de oxigénio, de escolher melhor as palavras que saltitam na cabeça num modo de peixes na canastra:

Pai, olha o frio. Mete-me umas meias. Calça umas botas.

E ele, barricado em si, cheio de impávida mestria, a consertar a dobradiça, a remendar a peneira, a arrancar ervas dos talhões verdíssimos, a ignorar-me, a fazer de conta que a idade não é para todos, à espera da reprimenda seguinte:

Pai, este sol mata. Põe um boné nessa cabeça, se faz favor.

O tempo apanha-nos quase sempre nas dúvidas metódicas. O carteiro veio? O que havemos de fazer para o almoço? A tua irmã virá aqui mais logo? Quando é mesmo a tua consulta de urologia?

Uma casa com dois homens é um barco sem leme e com dois motores. Parecemos abelhudos porque somos abelhudos. Turramos como bichos teimosos, inflados da certeza de que o outro não sabe o que faz e que se a mãe fosse viva isto piava de outra maneira.

Porém, seria hipócrita não falar de mim.

Muitas vezes paraliso na sanita com o Expresso de há quatro dias nas mãos, a coaptar pedaços de um artigo de economia, a passar os olhos pela revistinha de turismo, a pastar com a palha dos analistas políticos.

Vais demorar muito aí dentro?

E o tom é repleto de sarcasmo. É irritante. Um tipo precisa de paz para apurar as nuances da sociedade, para se informar, para curar o mal da cabeça. Não respondo. Nunca respondo a provocações desta espécie.

Anda-se com o aspirador de um lado para o outro, com esfregões e detergente dos vidros. Mas às tantas cai um verso de cangalhas, jeitoso, precioso, fundamental. Atiro-me ao caderno, escrevo, rasuro, releio, reescrevo, anoto, gloso, divirjo setas entre os versos e as linhas. E é nesse poço de silêncio, quando mais e melhor me sabe o ritmo das palavras, que me atordoa a voz intrusa das coisas práticas:

Vou ao LIDL. Precisas de alguma coisa?

Ultimamente tenho-me perguntado para que serve tudo. Uma casa é um labirinto de tarefas. Há sempre pó nos mesmos esconsos e reentrâncias, nos mesmos rendilhados da madeira, nas mesmas dobras de marfinite dos anjinhos. O sabão da espuma reaparece sempre na mesma cerâmica e sobre o mesmo espelho. Por muito que me acocore para aspirar a base dos móveis e por debaixo das camas, lá me encontra o sempiterno cotão malfadado a obrigar-me a despedir do seu poiso, numa sequência de dominó, edredões e cortinas e caixas com arrumos e sapatos e sapatilhas e chinelos. E há os pratos para lavar, a roupa a estender, o ferro à espera do cesto com calças e camisas, os pátios a suplicar por água, os vasos das orquídeas a exigir manutenção. Uma casa é um cativeiro brutal. De recordações, de objetos, de embrulhos, de quinquilharias e bagatelas que acumulamos por simples deslembrança da vaidade e do vento que passa do Eclesiastes.

E depois há o relógio que oxida tudo. As caleiras, as tubagens, as linhas de raciocínio, a memória.

Pai, a porta do frigorífico!

E ele, como quem não quer a coisa:

Não fui quem deixou a luz do escritório acesa.

E eu a inchar de vingança:

Nem eu quem deixou uma torneira aberta na casa de banho do anexo!

E ele saturado de razão:

Sempre quero ver quando chegares à minha idade, sim, sim.

Contemplo a minha vida. Velho e jovem em simultâneo. Derreado e criativo paradoxalmente. Esperançado e sem fé no mesmo passo. Cismo nos livros abandonados sobre a mesinha de cabeceira, nas muitas viagens que devo à vida, nos projetos esfarrapados pela invernia precoce, na agulha que pulou na bússola das minhas paixões. De repente já não sei quem sou nem no que acredite.

E é por culpa disso que me agrada tomar o pequeno-almoço com o meu velhote. É certo que me repete todas as manhãs as suas façanhas de Don Juan dos tempos da tropa. Mas recompensam-me os morangos frescos, acabados de colher no quintal. Há alturas em que maça escutar pela milésima ducentésima quinquagésima quinta vez a peripécia das faúlhas do comboio que lhe sujaram a camisa branca e o fizeram abortar missão numa conquista romântica para os lados da Trofa. Mas impressiona tê-lo ao pé de mim, a viver com energia autêntica o sopro de Adão, em lugar de estar longe, perdido numa penumbra de corredor, mordido por uma ventosa qualquer.

E a aturar-me. Porque se há coisa que muito me espanta é que haja no mundo quem disponha de paciência para o fazer.

Como disse, de repente já não sei quem sou nem no que acredite. Tiro um café na máquina e desço ao esconderijo. Atiro-me ao computador e ponho-me estas frases à frente. Precisava delas. Por uma ou por outra razão precisava.

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Um quadro

Paul Delvaux, A Solidão, 1956

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Quando a noite se parece uma lâmpada acesa, até os lugares feios da cidade se tornam estranhamente acolhedores. Era um pensamento como os outros.

A moça caminhava devagar pelo empedrado. Esse último sacrifício doía-lhe mais do que o corpo que se magoava também de si mesmo. Os homens gostam de ver cumpridas exigências que as mulheres abominam. Ninguém sabe porque lhes pertence a eles o mundo e não a elas. Isto era outro pensamento.

À distância de três ou quatro passos, a porta pareceu-lhe um sumidouro de alegria. A noite é um vidro instável. Umas vezes assusta de tão desprendida, outras exige-nos tudo, quer-nos parte do seu caminho marginal. O doce perfume havia-se já estendido pelo beco, onde somente o fedor do creosoto e o suor do indivíduo dominavam.

A moça considerou o grande relógio no frontão do edifício principal do outro lado da plataforma ferroviária. Faltavam cinco minutos para as onze. Havia tempo ainda. Hesitou. Ele, o tipo imundo, pagava bem. Ela precisava do dinheiro. A lua plena de eletricidade fazia erguer tufos de funcho e de cerefólio no meio das travessas.

Admitamos que a vida é a vida. Quando a noite se parece uma lâmpada acesa, até os lugares mais esquálidos possuem a sua beleza.

A moça bateu com o punho cerrado, mas sem força. Nem era preciso. A porta entreabriu-se em silêncio. Ela entrou.

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Os irmãos

Fotografia de Eugene Zhyvchik

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Os dois irmãos viveram sempre juntos desde a infância. Depois veio a Grande Guerra e separaram-se. Um foi mobilizado, o outro não. No final do outono de 46, reencontraram-se. O antigo soldado vinha perdido, com a cabeça saturada de recordações. Decidiu, por isso, viajar pelo mundo.

O outro irmão, mais velho, mancando sempre, anuiu com tristeza.

– Tonino, assim nunca mais voltaremos à infância!

– A infância de que falas está tão ardida como a madeira desses toros que vês agora em cinzas.

Despediram-se no lintel da porta, sem efusão. O outro foi a pé e de boleia e de novo a pé desde Santarcangelo, seguindo o vale do rio Marecchia até Rimini. Depois desceu o Adriático, atravessou o Mediterrâneo e entrou no Atlântico.

De quando em quando chegava uma carta. O irmão empilhava-as a todas, sem as abrir, numa caixa de medir feijão, adivinhando o que diziam. Também recebia telegramas, que lia de soslaio e que a seguir enfiava na mesma caixa bolorenta, pois era lavrador e telegrafista.

Por fim, Tonino regressou a casa. A idade atingira-o de tal modo que na aldeia ninguém o reconheceu.

O irmão perguntou-lhe simplesmente:

– Vens para ficar, ou vais continuar na vadiagem?

Deram um curto abraço e foram caminhar para os lados da colina do Castelo Malatestiano, repletos de árvores floridas.

– Podes ter visto as muralhas da China e a Amazónia, muita gente, muitas criaturas filhas de Deus, mas não viste nada tão belo.

Apontava para uma enorme ameixoeira toda branca, cujas florinhas sobre as ramagens e sobre o magnífico tronco em forma de P maiúsculo pareciam faiscar. Crescera no meio de um campo onde ambos, muito tempo atrás, haviam tido a primeira grande briga.

– Não, Fedro, nunca vi nada mais belo!

E foi como se a infância de um e de outro trepasse àquelas pétalas e, empoleirada lá no alto, dissesse coisas de inexprimível alegria.

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