O ninho

Baby
Fotografia de Ummu Nisan Kandilcioglu

.

Todos os anos no primeiro dia de janeiro, Artur Bentino punha as suas notas de conto a soalhar, presas por pedrinhas brancas no parapeito da janela alta do quarto. Às vezes chovia e então esperava mais algum tempo até o sol de começo de ano poder acariciar o papel.

«É para dar sorte» explicava aos poucos que ousavam perguntar.

A mulher sabia que era por vaidade e velhacaria. Assim, convenceu o amante a ir lá roubá-las, usando uma estaca com um prego na ponta em forma de gancho.

À medida que as notas se iam desprendendo dançavam um momento no ar, às voltas, e vinham depois cair no chão recoberto de lama e de bosta e o tipo recolhia-as uma a uma, raspadas já pela imundície.

«Isto também dá sorte» satisfazia-se ele com orgulho irónico.

Quando o serviço ficou terminado, a mulher jurou que uma pega-rabuda tinha acabado de levantar voo da janela, levando no bico o último dinheiro.

«E como era a pega?» desesperou-se Bentino.

«Ora, como era a pega! Há de ser como todas as outras: matreira, arisca, linda…»

Artur Bentino bem a procurou, à cata do milionário ninho que tanto lhe custara a juntar. Mas o melhor que descobriu foram duas ou três tocas de poupa, vazias, repletas de fezes ressequidas e de velhas tiras de jornal – a fazer de palha.

.

Logótipo Oficial 2024