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Huldrych Fritz-Meier era obcecado pela exatidão.
O correr das palavras numa carta não poderia admitir atentados à caligrafia ou à ortografia, tal como o tempo mostrado nos seus relógios deveria não discrepar entre si um segundo que fosse; da mesma forma que – só para terçarmos os exemplos – seria absolutamente inadmissível para si errar a quantidade de coque que teria de colocar no fogão para aquecer a casa.
Várias questões o atingiam em simultâneo.
Uma delas a de determinar o número preciso de seres humanos que desde Adão visitaram o nosso planeta. Outra a de cifrar aos cêntimos o maravilhoso dinheiro guardado nos cofres do Banco Nacional da Suíça. Outra ainda a de equacionar em números tangíveis, num caderno, a idade do universo.
«Tudo tem um propósito, uma lógica, uma verdade plantada dentro de si próprio. Chama-se a isso ordem.»
Mas por muito que a inventasse, a ordem teimava em não obedecer-lhe.
Uma bela manhã de abril, depois de reclamar com o carteiro (cuja falta de pontualidade lhe inspirava um ódio visceral, quase animalesco), a seguir a uma zaragata ao telefone por conta da gramagem dos pacotes de cevada, profundamente melindrado com a progressiva dessincronização do bater das horas nas torres próximas da Igreja de São Pedro e da Abadia de Fraumünster, a janela do escritório deste antigo engenheiro aeroespacial (localizada num sétimo andar da Münsterhof) viu-o – como um moscardo cabeludo – atravessar o parapeito sem mais nem quê em direção ao vazio.
Não deixou nada escrito. Nada. Nem uma confissão de culpa. Nem um reparo à humanidade. Deixou, isso sim, o apartamento na confusão maior que possa imaginar-se, com estantes despidas, armários abertos, objetos empilhados à toa num caos digno de uma residência de universitários estroinas.
Era como se Huldrych Fritz-Meier se tivesse assaltado a si mesmo. Como se o tivesse feito com requinte de prazer e de traição.
Johann Reusser, pastor calvinista, amigo e antigo colega de escola de Meier, foi severo na despedida do corpo: «A vontade de imitar a omnisciência de Deus atinge algumas almas como uma pedrada vinda diretamente do diabo. E para quê?»
Eis uma boa interrogativa. «E para quê?» reperguntamos nós.
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