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A seita, desobedecendo a Martinho de Dume, seguia o tempo pagão.
Lues, Martes, Mércores, Joves, Vernes, Saturnes, Soles eram dias de podar e queimar a lenha inútil, lavrar e semear, pastorear as ovelhas, criar os bácoros, dias de mondar, ceifar e moer o grão, enxertar as videiras, sacrificar a Juno a melhor das reses, recolher o mel e a própole, agradecer os frutos e abençoar o vinho novo, dias de lavar com água de uma fonte pura e cinza doméstica os altares ancestrais, dias de festejar com címbio os casamentos, de libar com a arféria, de celebrar os ciclos da lua e do sol e as velhas divindades que habitam os bosques e os rios e as noites gélidas do mês de Jano e das Februas.
O cronista João de Biclaro explica que no reinado de Leovigildo «eram estes pagãos em número incontável», mas que no tempo de seu filho Recaredo principiaram a cessar, à medida que o catolicismo ia extirpando os resquícios que suevos deixaram, erguendo cruzes onde antes se venerara os ídolos, elevando nos pedestais das igrejas e guardando nos nichos das capelas imagens de santos que depunham e esqueciam em definitivo as estátuas dos falsos deuses e deusas de Roma. «Somente em poucas aldeias e rincões alguns restavam, tão renitentes e fanáticos que nem a lâmina das espadas, nem as ameaças de impiedosos castigos os ensinavam a seguir a verdadeira fé de Cristo». Cheio de sarcasmo, chama-lhes João «purissima huius spei omnium» («os mais puros de todos»).
Viterico, o monarca assassino de Liúva, tolerou a seita, outros a perseguiram. Como tantas vezes sucede na História, a memória dos «puríssimos» foi sepultada e desenterrada muitas vezes. Como cacos de uma ânfora, chegou aos nossos dias.
Quem sabe por que divinas mãos trazida!
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