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Todos os anos no primeiro dia de janeiro, Artur Bentino punha as suas notas de conto a soalhar, presas por pedrinhas brancas no parapeito da janela alta do quarto. Às vezes chovia e então esperava mais algum tempo até o sol de começo de ano poder acariciar o papel.
«É para dar sorte» explicava aos poucos que ousavam perguntar.
A mulher sabia que era por vaidade e velhacaria. Assim, convenceu o amante a ir lá roubá-las, usando uma estaca com um prego na ponta em forma de gancho.
À medida que as notas se iam desprendendo dançavam um momento no ar, às voltas, e vinham depois cair no chão recoberto de lama e de bosta e o tipo recolhia-as uma a uma, raspadas já pela imundície.
«Isto também dá sorte» satisfazia-se ele com orgulho irónico.
Quando o serviço ficou terminado, a mulher jurou que uma pega-rabuda tinha acabado de levantar voo da janela, levando no bico o último dinheiro.
«E como era a pega?» desesperou-se Bentino.
«Ora, como era a pega! Há de ser como todas as outras: matreira, arisca, linda…»
Artur Bentino bem a procurou, à cata do milionário ninho que tanto lhe custara a juntar. Mas o melhor que descobriu foram duas ou três tocas de poupa, vazias, repletas de fezes ressequidas e de velhas tiras de jornal – a fazer de palha.
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