Obrigado!

Céu e João Ricardo
Foto de arquivo pessoal (2022)

.

Mesmo que ao cair do dia, mesmo que moído pelo grande cansaço das pequenas rotinas mortíferas, mesmo que de modo um tanto atabalhoado, mesmo que pedindo ajuda a Ástor Piazzolla (a quem sempre devi tanta poesia), mesmo que incorrendo no risco da estapafurdice, mesmo que e mesmo que, venho aqui dizer-te, Céu, que não esqueci a data aparafusada ao espaço que hoje marca o calendário: desde 1 de setembro de 2018 passaram os anos bastantes para tão bem nos conhecermos e nos desafiarmos mutuamente a amar. Se a alguém é possível reconhecer o abençoado encontro com a vida, é a mim que compete falar: sou um homem feliz, um homem consciente da sorte que me coube em sorte, um homem afagado pelo muito afeto e pela insuperável cumplicidade dos teus gestos e das tuas palavras. Devo-te um empenho maravilhoso, um companheirismo inexcedível, uma amizade e uma presença indestrutíveis. Cinco anos não é muito, mas é mais do que todos os anos que gastei vivendo-os sozinho ou sofrivelmente acompanhado. Devo-te muito, creio até que nem sempre disso me dando conta. Se, ainda que tardiamente, e cansado, e embrulhado em frases toscas, e ouvindo Piazzolla, me é possível escrever uma só palavra, quero nela inteirar todo o meu carinho por ti e a profunda estima que te tenho: OBRIGADO!

.

Logótipo Oficial 2024

Junto ao mar

Fotografia de arquivo pessoal (2021)

.

Ali, junto ao mar, sentindo nas costas a presença majestosa do farol, olhando à sua frente o istmo de areia muito branca e nele o enrolar da água azul, respirando longamente o misto húmido-enxuto das algas e das dunas, Céu sentiu esvaziar-se-lhe a cabeça, ou mais propriamente talvez, sentiu-se preenchida por uma sensação inefável de bem-estar. Era a mesma terna alegria que em criança experimentava no labirinto de roupas brancas que a avó deixava a flutuar nos estendais batidos pelo sol. Nesses dias (recordava-se tão bem) fechava os olhos e aspirava em haustos profundos o aroma do sabão. Nesses dias (como recordar pode ser tão maravilhoso) era como se a sua vida coubesse inteira no pátio invadido pela luz e pelo perfume.

Agora, ali, junto ao mar, a brisa do final da tarde fazia-lhe cócegas no rosto, soprando sobre ele as farripas loiras do cabelo e o pó subtil do areal. Apetecia-lhe dançar, erguer os braços, gritar, girar sobre si mesma mais e mais depressa, cada vez mais vertiginosamente, para que as imagens e os cheiros, para que as ténues variações de frio e de calor se fundissem e com eles se fundissem também o tempo e todas as memórias. Céu sentia-se feliz. Muito feliz.

O homem que ela amava fotografava-a, sorrindo. Exigia-lhe, porém, poses, postura, correção. Um atrás de outro o homem que a amava fazia disparar relâmpagos com o pequeno orifício vítreo do telemóvel. Reclamava a sua beleza, os seus olhos verdíssimos, a sua atenção, o seu corpo. Raios o partissem. Seria tão bom tê-lo apenas quieto e protetor junto a si, como o farol centenário, dentro do seu sonho desperto, a brincar consigo e com o amor e a terra, naquela dança eutrapélica e cheia de graça. Puxou-o por isso contra si. Libertou-o do objeto tirano. Beijou-o. Era preciso resgatar os dias perdidos. Peneirando-se no tecido de pequenas nuvens tardias, o sol abria linhas oblíquas. Como se dito pela primeira vez, como se fosse possível redizê-lo como da primeira vez, soprou as duas palavras com intensidade, com intenção.

– Amo-te.

E amava.

.