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Destroçado por uma violenta onda de desânimo, Aquilino encafuou-se numa cova junto a um grande carvalho secular, na qual se espojava com lentidão e de onde raramente saía.
Tomara-o a acídia.
Por muito que ocultasse os olhos e silenciasse os ouvidos, continuava a ver e a sentir os golpes dos mercenários truculentos de Recaredo, as casas toscas transformadas em tochas, os gritos do povo massacrado, os monges caídos num lamaçal de terra, charcos e sangue.
Tudo por culpa da fé.
Os homens que muito amam odeiam muito e os que muito odeiam amam demais. Deles, como do vento volúvel, pode esperar-se tudo. O muito amor e o muito ódio são dois rios num rio só:
Naquele antro, onde as raízes das árvores se distendiam e encordoavam, onde passavam a correr ratazanas e centopeias, onde o sol jamais ousava adentrar-se e cindir-se como a luz de um círio, Aquilino desejava antes de todas as coisas e sobre todas elas tão-somente a morte.
De que se alimentava Aquilino? A que prodígio devia a sua resistência? Em que resto de forças descobrira ele forma de atenuar a dor?
Ninguém o soube dizer.
Conta-se que no começo do inverno, um esquilozinho penetrou o covil com uma noz e – fitos os olhos de um nos olhos do outro – abandonou-lha nas mãos.
O animal fê-lo no dia após, e no outro, e nas semanas prosseguintes.
Aquilino recordou-se, então, das palavras santas de Ambrósio: «Cristo, Nosso Senhor, é a noz de que havemos de nutrir a boca e alimentar o espírito: a sua madeira arde como ardente é a cruz onde O imolaram; dura é a Sua casca, como duro é o corpo macerado pelo flagelo e consumido pelas chagas; prazenteiro é o pomo escondido pelo zesto, como saboroso e encoberto é o mistério da Sua Morte e Ressurreição».
Aquilino acordou da tristeza.
No dia do Natal, entrou com as vestes esquálidas e a face macilenta nas ruas abarrotadas de Toledo. Era igual a um leproso no aspeto. Conta-se, e foi o grande o milagre, que Aquilino se dirigiu ao rei dos visigodos. Era igual a um profeta, a quem a verdade funda do seu sentir reiluminara as palavras, através das quais resgatou Recaredo da heresia ariana e o converteu à religião do povo.
Desde então, e durante muito tempo na Idade Média, se associou Santo Aquilino à pujança dos nogais e ao nascimento do Messias. Com a lenha dos nogueiras esculpiram-se as primeiras figuras do presépio, com as cascas das nozes acendia-se o lume dos turíbulos, com o seu recheio condimentavam-se as viandas e as iguarias natalícias.
24.12.2024
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