
Era um penhasco, no cimo do qual antigos ermitões haviam edificado pedra a pedra uma pequena igreja. Olhada de longe, mal se distinguia da massa granítica. De perto, assemelhava-se a um abrigo de animais, com uma cruz empoleirada no topo.
Soeiro Ramires, falcoeiro, ou talvez ourives, ou alfaiate, ou peleiro real, conforme a versão do relato que até nós chegou, era portador da terrível hanseníase e encontrou no tosco e santo amontoado de calhaus o seu esconderijo. Não apenas para morrer, mas porque fugia da justiça. O seu crime, o ter mantido com outro homem relações contranaturais. A lepra e a culpa perseguiam-no implacavelmente.
Foi no tempo dos primeiros reis de Portugal. Também Afonso, filho de Sanches, neto de Afonso, morria como um gafo. Outros monarcas da cristandade haviam padecido e de padecer de igual enfermidade. Ele, Soeiro Ramires, fora tomado por um só pensamento: subir, subir o mais que pudesse, antes que demasiado tarde, a um lugar solitário onde a misericórdia do nosso Salvador mais depressa o descobrisse que o mísero discernimento humano, e esperar, senão a cura da pele, a absolvição da alma.
No alto do penhasco, lá, onde os pinhais se ocultam no nevoeiro, desceu da montada e instalou-se como pôde. Fazia lume e cobria-se com uma manta grossa, comia pão e orava.
«O amor escolhe-nos», pensava. «Com este grande pecado de amar ofendi o Criador, que assim conspurcou a minha face, as minhas mãos, os meus braços e todo o meu corpo».
O frio punha a sua veste branca a toda a volta. Grandes nevões mergulhavam do céu e faziam rebrilhar as montanhas beirãs do sopé aos ossos agudos dos seus cumes. Tremendo, este infeliz colhia alguma lenha e punha-a a arder.
Certa noite, uma grande estrela riscou o horizonte de lés a lés, caindo em cinza luminosa sobre a sua cabeça. Soeiro Ramires admirou-se muito. Não só as tremuras e o prurido da carne deixaram de o torturar, como uma grande paz, uma impressão de renascimento e de leveza inexplicável o reerguiam da vileza do mundo.
Conta-se que a doença o deixou, tão misteriosamente como chegara. Ramires entregou-se à vida religiosa, tornando-se um dos primeiros franciscanos a professar no reino. Um templo, de consideráveis dimensões, foi construído no lugar do primitivo, a Igreja de São Francisco, de São Sebastião e da Natividade.
Hoje, pouco frequentado, quase ao abandono, é onde se dirigem ainda os crentes desesperados, em busca de um milagre e de redenção.
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