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Albericiano era camponês. Aos quarenta e cinco decidiu deixar os campos, o pecúlio e a mulher para se juntar aos monges de uma ordem menor da província de Lucca.
Os filhos, todos maiores e casados, não acharam bem nem mal. À esposa não fez aquilo mossa, porque um marido negligente significava o mesmo que uma lareira sem lume. Os vizinhos aproveitaram o caso para encher a boca, satisfeitos por se verem livres de um focinho tão difícil, com crenças tão teimosas, multiplicado em gestos tão irrespondíveis.
Albericiano depressa preferiu o retiro das penhas ao interior pouco amistoso do mosteirinho onde o receberam.
Jejuava amiúde. De tal forma que o ventre mal se via. E orava. Orava com o silêncio, com os olhos, com as mãos. Para viver bastava-lhe a beleza dos restolhos, o orvalho das ervas, as penas e o pelo dos bichos que acariciava e que sabia serem duplos de Deus, se é que Deus visitava sítios como o penhascal onde se acoitou.
Nasceu a lenda de que Albericiano não precisava de se alimentar, nem sequer de raízes e gafanhotos como João Batista. Contava-se que convertia as criaturas perdidas das falperras (trânsfugas, salteadores e assassinos) em homens de fé. E que curava não apenas gafos e tuberculosos, mas todos os que definhando da cabeça ou morrendo de desgosto o procuravam.
E, no entanto, em toda a sua existência não proferira uma palavra, uma única palavra. Porque Albericiano era mudo.
Contavam que ele se nutria do fogo divino.
Como o brilho do luar sobre as folhas mádidas dos carvalhos, o monge alumiava sem tocar e ensinava sem falar.
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