
A igreja é pequena, antiga, no cimo de uma colina. Todo o seu encanto advém justamente destas três características: da sua dimensão modesta, do românico tardio, do modo como domina o vilarejo, mesmo agora, em tempos de prédios, grandes fábricas e armazéns industriais.
Pietro Foragini é um dos cuidadores deste lugarzinho santo. Com paciência, com gosto, com a ajuda de uma colher de trolha ou às vezes de uma faca de cozinha, dedica-se a extirpar as ervas e as hastes das gramíneas do meio das pedras. Elas nascem nas paredes, na boca das gárgulas, no meio do adro, no cimo da cruz, entre as linhas ogivais dos pórticos. São obstinadas, persistentes, ubíquas. O grande orgulho do senhor Foragini é o de garantir que este templo se mantém asseado, sem sinais excessivos do atrevimento herbáceo, da ferrugem, da imundície das pombas. Justamente, o guano é um dos grandes inimigos do granito, tal como urina dos bêbedos ou as sementes que o vento mistral costuma disseminar nos intervalos mais insuspeitos.
O interior da igreja é responsabilidade das mulheres. São elas quem encera o soalho, quem limpa o pó da talha, quem limpa as teias de aranha à bela rosácea na fachada principal, quem espalha óleo de cedro sobre as madeiras, quem tapa e destapa o rosto dos santos, quem cuida dos altares, quem acende e apaga os círios, quem cuida dos linhos e paramentos sacerdotais.
Ele, Pietro Foragini, lubrifica o mecanismo dos sinos, cuida-lhes do bronze e do badalo tonitruante. Duas a três vezes por ano sobe aos telhados, verifica a integridade das telhas e das caleiras, dá pequenas pancadas nalgum cubo de pedra suspeita, estuda-lhe a resposta, avisa o padre Giovanni de anomalias sobre a cupulazinha e sobre a abside. É uma autoridade ali. Ele decide quando é preciso intervir.
Nem sempre o entendimento é fácil. Delimitar a jurisdição de cada um é árduo na Pieve di Santa Maria Assunta. Entre a boa intenção e a boa ação corre um rio de diferenças.
Esta semana, por exemplo, Ornella Sforza travou-se de razões com Pietro Foragini. Discutiram por causa das glicínias. “Sem autorização”, Foragini segou e fez desaparecer perto do cruzeiro toda a latada destas flores lilases. Foi um debate acalorado. As senhoras tinham ficado coléricas.
– Não se faz! – repetia a senhora Sforza, descontrolada, cheia de ódio.
– Ora essa. Era só o que me faltava, ter de pedir licença para limpar o esterco da nossa igreja.
Também há a questão dos vidros. Estão sempre sujos do outro lado. Elas acrescentam os maus fígados de Foragini, que não se importa de martelar, perfurar, lavar a pedra com o compressor, arrastar ferramentas ruidosas pelo campanário e à porta da igreja quando as senhoras estão a ensaiar os salmos. Ele não esquece a voz esganiçada de Ornella, o tom autoritário com que se lhe dirige e lhe dita ordens. Era só o que lhe faltava, aturar a antiga professora, baixar a orelha, obedecer-lhe.
Não sem motivo, exige-se amiúde a voz meiga e apaziguadora do padre Giovanni, sempre pronto a velar pela reconciliação, pelo bom entendimento do seu rebanho.
Quem visita esta igreja no Piemonte e se fecha na penumbra do seu granito, ou se ilumina na beleza dos seus afrescos magníficos, sente a paz, a boa paz herdada dos tempos da cavalaria, dos romeiros, dos homens e mulheres que buscavam a salvação da alma acima de todos os tesouros do mundo. É um bem precioso, raro, quase impossível de explicar.
Não há dúvida que a igreja está impecavelmente conservada. Quem aqui vem não imagina a que preço.