O choro dos mortos

.

Joe Lenio
Fotografia de Joe Lenio

.

Numa pequena povoação entre o Camboja, o Laos e o Vietname, os montanheses têm por costume pendurar no alto das árvores um insólito instrumento constituído por longos emaranhados de fibras atados por tiras de couro e presos a uma espécie de cravelha, que os nativos constroem abrindo orifícios em ossos de tigre ou leopardo ou mesmo viverras, e que emolduram com ripas de figueira ou paineira.

Durante a noite a humidade faz encolher as linhas paralelas e mantém-nas em silêncio. Mas assim que o sol e o vento começam a retesá-las, a floresta enche-se de um choro sobrenatural, que o nevoeiro em dispersão torna ainda mais extraordinário. «São os nossos mortos que partem outra vez» ensinam às crianças.

Os mortos hão regressar com as monções, agora é o tempo dos vivos. Metade do ano para que a memória os guarde fielmente na outra metade que há de vir.

.

Logótipo Oficial 2024

João Ricardo Lopes, escritor português (escritor de Portugal), escritor fafense (escritor de Fafe), nascido em 1977.