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O tamanho da luz mede-se nas paredes, nestas aqui em Paris, nas de um iglô em Etah, na Gronelândia, ou nas grutas empoeiradas de Qumran. O desenho da luz alastra e escorre, avança e reflui, às tantas eclipsa-se entre volumes de uma natureza nem sempre compreensível. E é então uma solidão, uma devastação, um horror de arrepios onde se cai como num sonho, como num poço, como na morte.
O humorista Alphonse Allais medita no diâmetro silencioso da luz nessa manhã de 1889. Da luz solar intermitente, hiemal, luz levíssima que entra pelos vidrilhos da sala e se põe a fazer caretas iridescentes no estuque, nas portas, na porção branca da alvenaria que o grande armário de ébano não tapou. Não lhe ocorre uma única linha, não lhe ocorre uma única razão para começar um novo conto, não lhe ocorre sequer que mais de um século depois, noutro país, outro indivíduo pense exatamente o mesmo sobre a luz e nela reflita indecisamente, sem vontade de rir ou de fazer rir, completamente convencido de que a literatura – para renascer – precisaria da honestidade dessa luz, da boa luz que gela na Gronelândia e se sacode no pó ardente dos desertos do Mar Morto.
É incontestavelmente belo o rosto da luz.
Ele, ela, amplia os batimentos cardíacos, enormiza o poder das palavras (mesmo, ou sobretudo, as que não são ditas), aquece a natureza monstruosa das formas informes, atrai os gatos, faz abrir mais os olhos e os poros, dita as leis, se não as leis de Deus, as do cosmos.
O escritor Alphonse Allais bebe um porto. Prepara, como um lagarto consolado, uma folha de papel. Talvez haja descoberto a ponta da agulha por que tanto procurou toda a manhã. Entre as palavras desenhadas há, igualmente, acometimentos de um sol longínquo. Escrever é costurar com a luz o pano imóvel do vazio. A bem dizer não lhe importa nada. Importa-lhe tudo.
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