O homem que pedia cigarros

Foto: Tatsuo Suzuki
Fotografia de Tatsuo Suzuki

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O homem chegou e sentou-se na mesa ao lado. Suspirou. Fê-lo tantas vezes e tão fundo que conseguiu a minha atenção. Foi o bastante. Endireitou a posição da cadeira de modo a ficar mais próximo. Sorriu. Pediu um cigarro. Dei-lho. Não tardou a contar-me a sua vida.

‒ O meu problema são estes dentes de merda!

Mirei. Uma boca combalida com hematomas e roxidões suspeitos, um sorriso feio, esburacado, agarrando dois dentuços sobreviventes, tortos como estacas de uma paliçada em ruínas.

 ‒ O que lhe aconteceu? Caiu?

O sorriso, que não lhe saíra do rosto, aprofundou-se. No refluxo dos lábios, viam-se agora as gengivas dolorosas, inflamadas, rubicundas, onde cicatrizes hemorrágicas testemunhavam uma enfermidade que nunca eu vira.

‒ Não. Tenho é a boca toda lixada!

Duas pessoas quiseram confirmá-lo. A segunda era uma senhora devota da Marie Claire. Exibiu aquele ar de quem acabou de engolir comida estragada. O homem sorriu-lhe também. Não desgostou que nos tivéssemos interessado por si, que o olhássemos de soslaio, que franzíssemos o nariz, que lhe reprovássemos a vida. O homem (via-se!) apreciava que o mundo lhe estendesse uma mão. Que o mundo lhe estendesse ao menos um dedo!

‒ Isto está a dar cabo de mim, sabe?

E pausou.

‒ No outro dia o meu irmão levou-me lá a casa um bife. Mas não pude comê-lo, por causa destes dentes de merda… O que vale é que estavam ali uns gatos… Atirei-lho. Só comi o arroz e as batatas…

E pausou de novo.

‒ Se você me pudesse arranjar outro cigarrito!

Dei-lho. A rapariga do café aproximou-se. Veio explicar ao homem que não podia importunar os clientes. Que precisava de ir-se embora. Que não voltasse. Que o patrão não o queria lá. E o homem fez uma momice, um sorriso doido, como se aquilo acabado de escutar fosse um jogo e ele tivesse principiado a divertir-se muito. O meu caderno, escancarado como uma porta inútil, registava meia página de coisas cuidadas, frases com brilho, ideias promissoras. Não podia agora compreendê-las. O homem fez uma vénia com as mãos juntas, como quem faz a súplica a um santo. A rapariga expirou pelo nariz, contrariada. Recolheu a chávena na mesa entretanto abandonada pela senhora impertinente e regressou ao interior. Uma hora de trabalho (como foi possível?) reduzida num piscar de olhos à inconsistência das cinzas… O homem quis ser agradável (lia-se-lhe nos olhos a vontade de querer saber). Perguntou.  

‒ O senhor é daqui?

‒ Sim. Quer dizer, mais ou menos…

Apontou para o isqueiro. Emprestei-lho. As mãos muito magras deram-me a impressão de estar a conversar com um moribundo. Arrisquei.

‒ Isto faz-lhe mal! Não devia fumar tanto!

‒ Não, não… Os cigarros são porreiros, tiram-me as dores todas…

Um casal chegou. A rapariga julguei reconhecê-la da televisão: sem devolver qualquer vestígio de empatia pelo mundo, devorou o espaço em redor multiplicando sons. Percebi que o meu refúgio naquela esplanada havia cessado. Uma nova espreitadela ao caderno fez crescer a labareda da frustração. Detestei-me. Detestei o desgraçado que, cadeira com cadeira, continuava a sorrir e a soprar o fumo numa espécie de êxtase. Detestei a fulana arrogante. Fiz menção de sair e de me despedir.

‒ Bem, muito gosto em conhecê-lo!

O homem levantou-se para me apertar as mãos.

‒ Muito gosto, meu senhor!

O desconforto foi indizível. A beata queimava-lhe quase os dedos. A tarde tornara-se subitamente fria, como muitas vezes sucede na passagem das estações. Consultei o telemóvel, ocorreu-me um contacto, teclei. Do outro lado, uma voz recebeu-me, acalentou-me. O homem erguera-se. Apanhava desprevenido o casal. Pedia tabaco. A rapariga, elegante, com a cigarette espetada entre o indicador e o médio, continuava a falar sem lhe voltar o rosto. Do outro lado do telemóvel, a voz confirmava o encontro para as cinco. O carro continuava ali mesmo, sonolento como um cachorro. Entrei. Abri os vidros. A rapariga da televisão exaltava-se, arremessava com desprezo a beata para o jardim. E o homem mergulhava. Como um nadador, como um pai aflito, o homem lançava-se em sua perseguição. O desconforto foi enorme. Ele, triunfante, saltando no relvado como um doido, estrafegando com os dois dentuços, esforçava-se por reacender o corisco. Do outro lado do telemóvel, a voz despediu-se. Fiquei mudo. A voz perguntou-me se tinha ouvido. Disse que sim. Estava bem, sim. Estava combinado. E o homem desapareceu como tinha vindo. Em direção ao nada.

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Um passeio a pé

Fotografia de Michael Krahn

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Princípios de setembro ao cair da tarde: o outono enviou já os seus emissários. Para lá das portas das casas de pedra, desde o fundo dos lagares, emerge e vibra como uma corda de guitarra o aroma intenso do mosto. Embrulhamo-nos nele como num antigo provérbio: por onde os nossos passos vão, ele acompanha-nos num crescer de sombra. A inquietação voa ao redor da nossa boca. Depois, ultrapassadas as últimas casas, embrenhamo-nos num pequeno bosque. Como numa catedral, as copas das árvores erguem arcos quebrados e perfeitos. Conheço o nome de cada uma delas, o seu silêncio, o seu perfume, a voz que nelas respira profundamente desde as raízes. É-nos dado caminhar por uma vereda estreita, ao longo de um carreiro húmido repleto de folhas, onde vigorosas lesmas e insetos esquivos nos vigiam de passagem: sulcos e vergônteas subterrâneas exigem a nossa atenção; os próprios duendes nelas tropeçariam, se acaso aqui vivessem ainda. No alto dalguma faia, dalgum ulmeiro, protegidas pelo abraço das asas e pela folhagem espessa, acordam criaturas notívagas cujos pios em breve cairão sobre o firmamento iguais a bátegas de chuva. As névoas e a penumbra tornam os espaços mais breves e simultaneamente mais longos, dividem-nos em parcelas isoladas umas das outras e todas numa bolha de paz. O homem que se arrisque à solidão chega aqui tão perto de si próprio como dois seres que por fim se reencontram numa encruzilhada. Sempre imaginei que assim vagueasse, descalça e andrajosa, através do limbo, através da memória, através da terra, a minha bisavó tresloucada. No coração do labirinto é a própria alma a girar sem parar, frenética e viva como um buraco negro no meio de espiral de estrelas. «Quem sou?» pergunta a consciência rodopiante. Estamos agora noutra dimensão, noutro lugar, noutra era da nossa vida. Movemo-nos em silêncio pela casa às escuras. Os nossos passos são cautelosos e atentos, como se caminhássemos ao longo de uma floresta, seguindo o flanco musgoso de um antigo muro de pedras soltas. A algum lado nos levará esta viagem sem termo nem princípio ‒ cada pensamento segue um outro e todos se encaminham para uma clareira onde a luz os reconhece. A cada instante precisamos de vencer a resistência da nossa condição terrena: os pés enterram-se em pantanosas raízes familiares, tropeçam na memória, atormentam-se com o peso que neles se calça dos antepassados queridos e admoestadores: «A velhice bater-vos-á um dia à porta!». A voz que nos fala, não sabemos se vinda de fora, se uma erva nascendo-nos nas entranhas, abre passagem pela fissura das paredes, perfura, assemelha-se a um vapor tépido, mistura poderosa de remorso e de saudade. O tempo! Tão próximos deste abismo, somos criaturas excecionais, volumosas, puras como uma lágrima. Em breve estaremos na infância. A floresta encaminhou-nos para algo tão longínquo. Já os olhos se desacostumaram de olhar e veem apenas. A velhice bater-nos-á um dia à porta. Estamos nas calendas de setembro. A noite assenta mais cedo. O outono enviou os seus emissários.

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Avós

Avó
Fotografia de Susan Meyer

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Tive a felicidade de conhecer todos os meus avós e a infelicidade de os ver partir a todos. O primeiro a deixar-nos, o pai de minha mãe, morreu com cancro não tinha completado cinco anos. A minha avó paterna despediu-se quando tinha vinte e um. Passou-se tudo há tanto tempo. As memórias filtraram os factos. Os episódios que me contam parecem-se às vezes irreais, como se nunca os tivesse vivido. Outras vezes, porém, a variação da luz com o rodar das estações, o encontro inesperado com um objeto antigo, o fragmento de um sonho ou a súbita aparição de um perfume na terra, o relato de algum velho na terra, uma história recontada pela milésima vez por um tio faz-me recordar o rosto desses antepassados, como se os estivesse contemplando olhos nos olhos, como se lhes pudesse tocar de novo as mãos engelhadas e frias, como se lhes sentisse o bafo e a ternura indescritível dos gestos, como se pudesse finalmente compreender o que neles foi em cada dia uma espécie de despedida silenciosa… E é então que as saudades são uma força poderosa e nos estrangulam e nos tomam num arrepio dos pés aos cocuruto. E é então que as palavras são incapazes de explicar… 

Os avós são uma espécie de guarda avançada da família. Têm o secreto desejo de ensinar aos pais um modo melhor de serem pais. E o sonho inconfessado de ensinar aos netos uma forma mais doce de serem filhos. Intrometem-se muitas vezes, dão palpites, cansam-se, amuam, mas logo regressam com aquela mansidão do sol de novembro para pegar ao colo, para passar a mão por cima, para consolar, para criar linhas diplomáticas entre a mãe irritada e o miúdo traquinas. É o seu modo de ser. Porque os avós são uma espécie de anjo da guarda. E lavam com soro fisiológico, gelo e frases que soam a esconjuro os joelhos arranhados e a testinha ferida. E acalmam com uma cantilena e gestos precisos o choro torrencial, birrento e ensonado. E contam com sageza, com uma magia inigualável de som e imagem, a história a Branca Flor. E embalam, e acalmam, com um jeito único de amor sem limite, o pequeno coração rebelde, enquanto por dentro das pestanas uma enorme paz de veludo parece cobrir a terra. Porque os avós são uma espécie de refúgio. E todos os netos o sabem desde sempre. 

Se aos pais cabe o poderoso, o hercúleo trabalho de dormirem pouco e mal, aos avós cabe a missão da sesta conjunta. Se os primeiros têm os olhos postos no presente, preocupando-se em alimentar cada dia, em educar e proteger os filhos, os segundos acrescentam a tudo isto a vontade de transmitir um legado, de trazer do passado tradições que hão de manter-se depois do seu desaparecimento físico, de assegurar o sangue do seu sangue. Porque os avós são um elo poderoso, generoso, insubstituível nesta corrente intemporal! E é por isso que os netos amam de forma tão espontânea os seus avós e guardam deles valiosas lições que são (sê-lo-ão mais ainda no decurso da vida) claros prodígios de sabedoria e de tão profunda, genuína e pura humanidade! 

Pela minha parte, tenho aprendido a reconhecer, a desvendar, esse legado. Ainda hoje gosto de canivetes e de do cheiro da madeira acabada de serrar. Ainda hoje prefiro a terra ao ruído das cidades. Ainda hoje me perco nas paisagens enevoadas, no perfume das árvores e no granito das montanhas. Ainda hoje admiro a frontalidade e o rústico aperto de mão. Ainda hoje rezo a Santa Bárbara nos dias de trovoada. E acredito no mau-olhado e no mal de inveja. E mastigo funcho e hortelã para esquecer maleitas e dores de cabeça. E dou por mim em silêncio a acariciar o bojo da fruta e a procurar-lhe deformidades. E encontro na poesia das coisas vivas a suprema poesia a que as palavras dão acesso… Porque os avós são assim, permanecem em nós, olhando-nos pelos nossos olhos, tão acesos e sorridentes como dantes, como nos dias em que nos embalavam e nos faziam sentir uma paz enorme de veludo, a envolver a pouco e pouco, a pouco e pouco, a pouco e pouco, toda a terra, toda a terra…

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Um homem desempregado

Enzo Penna
Fotografia de Enzo Penna

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A fila no Centro de Emprego é uma lombriga roendo as entranhas desde o começo da manhã. Passam centenas de automóveis, os autocarros da Carris, os táxis, os peões, a meia dúzia de biciclistas matutinos, as carrinhas cheia de pressa dos correios, outras centenas de automóveis, uma ambulância histérica, os idosos agarrados aos andarilhos, as carrinhas da Moviflor, mais umas quantas centenas de automóveis, um carro funerário (com as suas bandeiras negras e roxas e o espalhafato contido dos ramalhetes comprados por obrigação)… Passa meia cidade por aqui, passam centenas de automóveis, curiosos, enfastiados, com tipos bem-dispostos, com tipos maldispostos, com tipos agarrados ao nariz e às secreções que nele se tornam bolas amovíveis, passa mais uma ambulância ferozmente ruidosa do INEM, mais uma fornada de miúdas louquinhas da Católica, e um tipo no mesmo sítio, na mesma dobra da rua, atascado à mesma esquina da vida, a pasmar para dentro, a envergonhar-se dos papéis que precisa de carregar, à espera que uma voz estridente, defeituosa, sem açúcar, lhe diga:

‒ Precisa de fazer alguma coisa pela vida, Sr. Martins!

Ser desempregado começa por ser uma coisa engraçada. Acorda-se uma bela manhã com a sensação do outro («Ai que prazer/ não cumprir um dever»), anda-se pelo interior da casa em roupa interior, a olhar para as coisas com a complacência de uma mãe que não se cansa de amar a cria.

‒ Preciso de fazer alguma coisa pela vida, pá!

Arruma-se a casa de uma ponta a outra. Tira-se dos armários a roupa de inverno, guarda-se em caixas e nos armários coisas que possivelmente nunca mais terão uso. Limpa-se o pó aos móveis, aos livros, às memórias e à alma. Visita-se uma tia no Lar. Passa-se pela Igreja para estar na penumbra dos santos, para se poder sem pressa a respirar o cheiro das velas, o silêncio e o vazio das orações ciciadas ao longo dos séculos. Passa-se no regresso pelo minimercado, para comprar pão, leite, cento e cinquenta gramas de fiambre e uma esfregona.

‒ Precisa de fazer alguma coisa pela vida, Sr. Martins!

A fila é um cordão. Um cilício. A princípio custa muito, demasiado. Parece que a nossa vida quer deixar de ser nossa. Tudo é uma ferida: as horas abrem clareiras monstruosas, como se aquele tempo que nos faltou sempre tivesse passado a pertencer-nos irremediavelmente, embebedando-nos de tédio. Pensamos. Pensamos em enviar o Curriculum às empresas da concorrência, às que até aí supúnhamos uma ameaça, às que poderão ter uma palavra a dizer sobre o nosso futuro. À medida que um tipo se sente encarquilhar, torna-se mais premente escrever uma carta de motivação, um texto repleto de energia, um tributo à boa educação e à esperança e ao futuro. Urge mostrar qualidades, fazê-las competir com os sortudos, com os que têm salário e casa paga no final do mês. Não pode haver lugar para melancolias e autocomiseração…

‒ Preciso de fazer alguma coisa pela vida, pá!

A maior parte das empresas, porém, não responde. A maior parte das empresas está servida. O Curriculum devia ter uma alínea qualquer onde pudéssemos avaliar o tamanho do coração. Devia ser um dos quesitos eliminatórios. Mas as empresas ignoram o poder do coração e importam-se mais com as línguas estrangeiras e com o grau académico e com a capacidade de simular. O silêncio torna-se brutal, assassino, feio como os olhos que espreitam à janela num dia de novembro e se veem rodeados de barba e cabelos desgrenhados. As únicas pessoas que se importam connosco são as que se nos dirigem por «Ex.mo Senhor» em envelopes de janela.

‒ Precisa de fazer alguma coisa pela vida, Sr. Martins!

E eu olho a técnica do Centro de Emprego com os mesmos olhos de sempre, apenas um pouco mais baços, ligeiramente mais apagados, um pouco menos felizes, quase em lágrimas. Carrego papéis, provas, o testemunho de que não caí na derrota, de que não aceitei ainda a fatalidade da queda. Mostro-lhe a minha preocupação, o meu desejo de encontrar trabalho e de me libertar do famigerado subsídio. Falo-lhe das minhas antigas funções, do excelente desempenho na empresa, da estima do patrão e dos colegas, do azar do contabilista aldrabão que afundou os sonhos de todos, como um torpedo certeiro no meio de um couraçado. E ela faz com a cabeça que «sim», impacienta-se com as descrições pormenorizadas, aconselha-me a passar uma lâmina pelo rosto, a cuidar das unhas, a tratar da roupa, a sorrir.

‒ Preciso de fazer alguma coisa pela vida, pá!

Mas agora tudo é dificílimo. Sorrir, então! Ao cabo de meses de desemprego, de sucessivas derrotas, de curricula enviados em vão, de ressentimento contra o mundo, contra o destino, contra o governo, contra os antigos amigos, contra nós mesmos, sorrir tornou-se a arte mais difícil de todas. Ao pé do sorriso de um desempregado, as partituras de Bach são canja. Lutar contra a sensação de perda irremediável na sua cabeça, os trabalhos de Hércules são coisa de criança. Sorrir é tão lógico e perturbador como compreender o caminho do agrimensor de Kafka.

‒ Precisa de fazer alguma coisa pela vida, Sr. Martins!

De modo que respondo torto! Levanto-me da cadeira de plástico, ponho um brilho assassino nas palavras ‒ subitamente acordadas da letargia ‒, e respondo que «Ora essa!». Há gente a espreitar, bem sei que há. A inflexível correntinha dos óculos ordena que me sente, que me acalme, que a oiça com muita atenção. É um aviso. Mostra os «pontos fracos» do meu «processo», identifica «lacunas formativas», revela-me «alternativas», «módulos de requalificação». Ou isso, ou «Adeus ao subsídio». E eu sento-me. Eu acalmo-me. Eu oiço-a com toda a atenção. Eu aceito tudo. Eu peço-lhe desculpa. Eu compreendo que estejam a fazer o melhor que podem. Eu entendo que tenho pontos fracos, que preciso de suprir as lacunas, de encontrar alternativas, de reciclar a alma devassada pela imisericórdia e pelo insucesso.

‒ Preciso de fazer alguma coisa pela vida, pá!

E é com espanto, com uma leveza invulgar nos olhos (como se tivesse deles removido uma película suja ou acrescentado neles uma fúria nova), que saio para a rua. A mesma rua, o mesmo bulício de carros e furgonetas passando pelo meio dos carros e carrinhas mal estacionadas, a mesma rua de velhos infelizes e estudantes de Direito, a mesma rua de floristas e peixarias misturadas com lojas que aceitam ouro usado e prometem bons negócios… A mesma rua, que de repente me parece uma extensão de um mau sonho acabado de deixar para trás. Preciso de fazer algo pela vida. E, no entanto, estou na iminência de um soluço, de um sufoco, de uma tristeza abissal, como a que tem um desempregado incapaz de tomar um rumo. Se ao menos houvesse uma réstia de sorte! Um pouco daquele Deus de Abraão, Isaac e Jacob que decidisse dar-me uma mãozinha! Um pouco daquele romantismo dos filmes de Charles Chaplin ‒ em que surge do nada, à mesma esquina gradeada, um milionário de Monopólio (de cartola e bigodinho) a propor-nos um desafio em condições, um sonho real, uma promessa verdadeira… sem ser preciso o pacote indigesto de inúmeras formações de vinte e cinco horas, com que pretendem salvar-me do trágico fim a que me votou este país de banda desenhada.

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Espécie de elegia

W. Eugene Smith - Charlie Chaplin, 1952 I
Fotografia de W. Eugene Smith (1952)

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«A coisa mais triste do mundo é assistir ao espetáculo de um humorista que perdeu a piada» disseste certa vez enquanto empurravas o charuto com a língua e humedecias as palavras com bourbon do forte. «Assistir a uma trampa destas pá, que tristeza!» Não me lembro do nome do artista nem das anedotas que contava. Lembro-me das lantejoulas, do chapéu, das mesas redondas e de ter pensado como é terrível alguém tornar-se caricatura de si mesmo. «Este tipo chegou a levar quinhentos contos por meia hora…». Fixei o número. Nem por um segundo desconfiei que fosse exagero. «Olha-me para ele agora… um palerma a imitar o pior do Herman… Que trampa!»

Sempre tive medo dessa fase. Sempre. Do Elvis gordo e sem timbre. Da Marilyn embriagada e sob o efeito dos barbitúricos. Do último Hemingway. Do último Picasso. Do último Pollock. Do último Coltrane. Do último Sinatra. Da Amália titubeante. Do Herberto Helder de Servidões e A Morte Sem Mestre, malcriado e escassamente luminoso. Sempre tive medo de me confrontar com o espelho, (como Chaplin em Limelight) e de tropeçar com olhos míopes e cansados num ser que se tornou paródia da sua própria pessoa.

«Agora dão-lhe cinquenta euros! Às vezes dão-lhe só de comer. Por piedade! Ao que este tipo chegou, pá!» As palavras cheiram a álcool. Ácidas e incisivas como enzimas devoradoras. Alguém na penumbra forçou uma gargalhada. É pavoroso que se simule um relâmpago tão inocente. A rapariguinha loira veio perguntar se tomávamos mais alguma coisa. Daí a nada o cabaré ia fechar. Com um sorriso apagado, frio como a sopa fria, restavam dois casais, uns quantos solitários e nós. «Cheguei a pedir-lhe um autógrafo… No princípio até lhe propus gravarmos uma cassete!»

Com angústia o palco e o microfone tornam-se claustrofóbicos. Um tipo suado e sem modos passava um pano no balcão e fez tilintar os copos com desdém. As bailarinas, já sem maquilhagem e com as golas dos sobretudos subidas, despediam-se desrespeitosamente deste barman saído dalgum filme lúgubre. O ruído dos tacões fez dispersar o que restava da nossa atenção. «Olha-me só para aquela mulata… Muito bem, hem?» O público bateu as palmas finais, aliviado, infeliz, como todo o dever cumprido sem amor. «Este tipo não presta. Foi tempo perdido… O que vale é ali a mulata. Boa, hem?» E levantámo-nos. Fizeste menção de pedir mais dois copos. Recusei. Insististe. Insististe mesmo em pagar um copo ao tipo do stand-up. À rapariga crioula também. Fui obrigado a beber.

Sempre tive medo destes copos que se bebem com fome, desta espécie de buraco negro absorvendo-nos as ganas de viver com um ou dois cubos de gelo, ou mesmo sem gelo nenhum. «O que é preciso é alegria, meu amor!» O humorista engolia o malte à pressão. Achava muito bem. O que era preciso era muita alegria. A rapariga gostava que cochichasses e lhe desses beijos no pescoço. «O que é preciso é isto, muita alegria, hem!». E eu sempre tive medo dessa tristeza, desse apelo ao esquecimento, desse convite à cirrose hepática e a todas as formas de estar em ruínas no mundo. «Haja alegria, pá!» O tipo do balcão, sob o acicate de uma gorjeta generosa, pôs de novo a música a tocar e a acompanhá-la o globo anacrónico, como nos tempos em que usávamos patilhas imitadas do John Travolta.

Saí sem me despedir. Não quis interromper-te a química. Tu feliz, eu sabendo que a coisa mais triste do mundo é essa impotência voluntária, quando um tipo começa a cair e não consegue nem intenta reerguer-se («Assistir a uma trampa destas pá, que tristeza!» ), quando um tipo percebe que a coisa mais cruel é ter de olhar-se olhos nos olhos («Olha-me para ele agora…») e não suportar o que vê…

Saí. Farrapos de nevoeiro voavam sobre os telhados. A noite pareceu-me finalmente uma coisa concreta. Uma casa a que me recolhia sem pressa, sem palavras e sem piedade.

E não há nada mais triste do que isto. Tombar muito devagar, em câmara lenta, com a sala às escuras, à espera das palmas mecânicas, à espera que nos paguem o cachê, e digam «Muito bem», e perguntem «Amanhã à mesma hora, hem?», e nos paguem um copo, e nos façam sentir menos mal, um pouco menos mal, um pouco acima da linha do alcatrão sujo e quebrado.

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O ato terminal

Simona Andrei
Fotografia de Simona Andrei

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Ao colocar na varanda a sua bela orquídea, é possível que na cabeça dessa mulher tenham surgido pensamentos complexos. «Da próxima vez que tocar este vaso já muita coisa terá passado». «Se voltar a ver-te, minha querida orquídea, é porque a vida deu uma lição de força em que jamais acreditei». «Quantas vezes entre um gesto e outro gesto similar decorre o arco temporal de uma vida». «Entramos num túnel e saímos dele sem saber se ainda somos a mesma pessoa». É possível que essa mulher se comova com o pólen dos plátanos que neste preciso momento voa até tão alto e pense nas coisas que involuntariamente desprezou. Não muito longe do seu apartamento as molas dos cavalinhos e os baloiços do parque infantil gemem com frenesim. Não os consegue ver, mas sente a alegria das crianças. O sol atinge em cheio uma gota de orvalho depositada na grade escura e refrata-se. Um minúsculo arco-íris ilumina-lhe os olhos doridos. Qualquer coisa como uma epifania, como um aperto descomunal, como um remorso lúcido, atinge-lhe a alma e fá-la elevar-se, levitar de pureza e de arrependimento. «Ah, minha querida orquídea, se nos tornarmos a ver… é porque tudo será diferente». 

Penso muitas vezes nestas invocações subtis do tempo. Ensinaram-me a não cair em tentação, a viver cada dia como se fosse o último, a procurar em cada um o melhor de todos. Aprendi a guardar e acalentar as memórias, a não subornar o futuro com favores mesquinhos («Não subornes a vida. Não intoxiques as areias movediças e aprisionadas da ampulheta. Não dês fim à paz dos teus sonhos. Vive sem rancor, pois em cada coisa vive já sombra bastante», explica-me a consciência nas noites de insónia). Ensino agora eu também a amar as pequenas existências, a respeitar os sentimentos que, entrelaçados, fortes e perfeitos, são os tendões da nossa própria existência. Ensino as palavras. Ensino a usá-las, como se usa um escafandro ou um fato de astronauta, para podermos respirar para lá da nossa própria respiração. 

Levado pela mão de uma neta nessa tarde de domingo, o velho cego sorri ao passar junto de uma serração. Os olhos vedados respiram com volúpia a omnipresença do serrim, o aroma limpo e sujo do pó, do pinho, das madeiras empilhadas e simétricas. Do reino da meninice, que jurou conservar e proteger até ao último dos seus suspiros, chegam-lhe os braços da mãe, os ecos da guerra, as vozes de todos os que a pouco e pouco se calaram e não pôde reconhecer no silêncio, exceto quando as mãos tocaram o gelo do rosto, o gelo dos lábios, o gelo do nariz, o gelo das faces geladas. Apenas o frio o assusta. E por isso a palma apertada da neta, o sol macio desse meio de tarde de domingo, o cheiro quente e um pouco húmido para lá do muro alegram-no em segredo. Jamais poderia explicar essa felicidade intransmissível de sensações misturadas, essa paz inefável que lhe recorda o avô, o pai e os irmãos carpinteiros. Como foi possível não seguir-lhes esse ofício? Voz melodiosa, a dos perfumes. Os olhos vedados respiram-nos com volúpia. Por eles obtém a dimensão de cada ferramenta, de cada máquina, de cada pedaço dessa oficina onde sonha ir tatear o seu próprio perdido… 

E eu que absorvo todas estas coisas escrevo-as. Agulha, linha escura atravessando os poros do papel. Os ignorantes calcam as pedras com olhos (olhos grossos, como caules de um cato gigante). As pedras são surdas. Nem o fio do vento possui algo que lhes possa dizer. Os ignorantes entaiparam a razão e não amam os poemas. Mas eu que observo estas coisas construo os poemas, sinto a urgência de não deixar esgarçar-se a corda do amor, de não deixar esvair-se no nada as pontas delicadas deste amor entre nós e as coisas. 

Assim o pensa também a rapariga no antro do hospital, onde faz tombar carrinhos repletos de roupa suja. «O que contêm os lençóis dessa mulher que morreu hoje, derrotada por fim pela doença?» «O que escondem as toalhas daquele cego tão amoroso, que há uma hora se despediu, sorrindo, da vida?» «O que veriam os seus olhos incapazes de olhar?» «Um anjo?» «Uma mulher outrora desejada?» «Um gato ronronando-lhe no colo?» «O que significa este ato terminal, este lavar das coisas que contêm os últimos vestígios de um tempo vivo?» «Porque morrem as pessoas que nos habituámos a amar?» «Porque sentimos a falta das palavras que nessas pessoas são orações e raios de um sol inteiramente novo?» «Porque me dói tanto que entre mim e estas luvas e esta roupa e este cheiro de caves se interponha esta saudade, este apego ao infinito?» 

E quando chegas e me contas estas coisas, e te embrulhas em mim tremendo de frio, e choras em silêncio, e olhamos a televisão apagada, e revemos uma a uma as cenas de inúmeras vidas desarticuladas e em comunhão connosco, eu compreendo-te com o coração gigante, estrela inflamada pelos sentimentos que brotam dos minúsculos poros da noite, das palavras, do papel que as acalentou para nós e para depois de nós, e embrulho-te com ternura, com os mantos invisíveis de uma noite repleta de estrelas, e deixo que adormeças nos meus braços, amparada e triste, como um anjo que soubesse seres tu sem que o saibas ainda. 

Às vezes o tempo abre em nós, com os seus desastres, contradições e aniquilamentos, rombos assustadores. Mas por mais que a vida doa, podemos sempre procurar em nós uma migalha de sonho e de esperança. Podemos sempre seguir o exemplo das crianças e aprender com elas a arte magnífica da resistência e do renascimento. 

Podia dizer-te tudo isto. Mas tu dormes. Felizmente, tu dormes já.

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Cada poema é um Big-Ban prodigioso

big bang
Fotografia de NASA

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«Só nos meus poemas encontro morada» escreveu Jan Jacob Slauerhoff. Cito-o por não precisar de outras palavras para dizer exatamente o mesmo, por comodidade portanto. Mas por defesa também, para não me servir de argumentos mais terríveis para justificar a franciscana fortuna que juntei em quase quatro década de vida. Aos muitos que se queixam do amor e de uma cabana oponho eu a miséria ainda maior de não possuir nem uma coisa nem outra. Porque esta servidão (ocorreu-me o último título de Herberto Helder) o é no sentido pleno da palavra servir. Servir a poesia é, em última análise, nascer, viver e morrer com a poesia, ao lado, para ela e por causa dela… Servidão sem renúncia, sem protesto, sem arrependimento, servidão que torna tudo o mais secundário, incompleto ou incompreensível.

Mas moro também na poesia dos outros. Na sageza dos truques de linguagem. Na metáfora que o tempo lavou ‒ como a um espelho ‒ com sais e sabão. No ímpeto e jactância de uma estrofe, que ao passar por nós ‒ pela nossa língua ‒ levanta as pequenas chamas vacilantes e acaba incendiando-nos os olhos por dentro. No brilho intenso de uma imagem original, pura e espontânea, como o movimento de um abelhão ao deparar-se com canteiro de amores-perfeitos que salpica o lado de fora da nossa janela. Moro na poesia com a paz e o desprendimento de um santo eremita, de um sem-abrigo, de um louco, que no final de cada dia regressa ao seu tugúrio, à sua manta, à sua cela silenciosa. E que consolo habitar o miolo dos livros! Degustar com frenesi o cheiro a papel reciclado, como o das revistas do Tio Patinhas, o aroma da celulose, o odor perfeito do papel novo, semiplastificado, como o dos baralhos de cartas ou dos manuais escolares, acabados de estrear. E que prazer manusear antigos cadernos de sebenta, guardanapos, meias folhas aproveitadas, velhas agendas, cartões e panfletos já esquecidos, com versos, rasuras, anotações e correções feitas com a caneta de aparo, surpreendentemente lúcidos, agradavelmente melódicos, imageticamente vivos… 

E é por isso que troquei sempre o Audi pela poesia de Homero, Camões, Whitman e Pessoa. Foi também por essa razão que hipotequei a casa, salvando somente os volumes de Arquíloco, Catulo, Dante, Baudelaire, Eliot, Breton, Celan, Miłozs, Tranströmer, Al Berto. E esqueci-me da data do nosso casamento, quando às tantas acabava numa mesa de café uma longa respiração, como as que Ruy Belo me ensinou, lidas em voz alta por Luís Miguel Cintra, junto ao mar, em tardes de inverno, quando as finanças, os altares, as multidões, os ruídos todos me angustiavam de uma forma que jamais conseguirei explicar-te. Troquei-te por Safo, por Emily Dickinson, por Akhmátova, por Sylvia Plath, por Sophia, por Fiama, por Elaine Feinstein, por Wisława Szymborska. E tu nunca me perdoaste. E eu nunca procurei o teu perdão. E tu decidiste, como outros faziam no óstraco, condenar-me ao pior dos exílios, que é e há de ser sempre o do desprezo. 

Não tenho emenda. Não há remédio para isto. Nenhuma solução. Divorciei-me deste tempo, divorciado ele mesmo da poesia. Divorciado ele próprio da função principal do tempo, que é o de cavar crateras na nossa memória, como as da lua, onde acolhêssemos como a luz dos charcos os dias limpos, onde acolhêssemos como a lama dos charcos os turvos redemoinhos dos remorsos e do sofrimento. Divorciei-me deste tempo que não entende de espiritualidade, que se tornou belo e artificial como os antigos bezerros de ouro, artificial e belo como as frases ocas que leio todos os dias em todos os lugares e na boca das pessoas que me não entendem. Não tenho emenda. Sou viciado na pior das anfetaminas, no puro ecstasy das palavras que são música, religião e verdade. Sou viciado em POIESIS! 

Mas mais do que isso. Sou viciado numa certa forma de querer existir. Sou viciado na preferência pelo profundo e pelo complexo, pelo subtil e pelo difícil, pelo que é ineficaz, imprestável e impagável, pelo que às vezes é vão e muitas vezes é efémero. Viciado por exemplo numa fuga de Bach ou numa elegia de Eleni Karaindrou, por oposição a todo o que é forró, pimba ou kitsch. Viciado por exemplo num bom filme de Fellini ou de Antonioni, de Wim Wenders ou de Alexander Payne, em troca dos quais mandaria incinerar todas as telenovelas da TVI. Viciado numa boa ópera de Mozart ou de Rossini, numa boa peça de Ibsen ou de Brecht (nem falo dos muito amados e adorados helénicos), numa boa conversa sobre antropologia ou astrofísica, viciado num bom café, amante dos melhores Cohiba, apreciador de uma reserva de Mouchão, naquela mousse de manga especialmente cremosa, nesse pudim de limão que apenas uma pessoa sabe fazer.

Ser viciado em poesia é o diabo! Habituamo-nos a luxos incomensuráveis, incontornáveis, irremediáveis, aos quais votamos não apenas a gula do instante, como sobretudo as epifanias que valem versos e uma eternidade (pelo menos o desejo de uma eternidade no prolongamento do nosso olhar). Ser viciado em poesia (que o são também aqueles que escrevem equações ou partituras, aqueles que modelam cerâmica ou coreografam pulsões) é uma porta aberta para o princípio, para o reconhecimento de que nos nossos gestos (nos mais ínfimos e risíveis) se repete o começo do cosmos, o movimento inicial, vital, verbal que acelera as veias e nos torna senhores da nossa própria ausência. 

Milhões de páginas foram escritas sobre o mesmo assunto, em centenas de línguas, em milhares de universidades, mais objetiva ou mais subjetivamente. Do que dela disseram Aristóteles, Horácio, Wordsworh, Edgar Alan Poe, Derrida, Octavio Paz, João Cabral de Melo Neto, Bloom, George Steiner se fizeram códices e volumes imensos. Pura repetição! Ainda ecoam nas paredes da minha cabeça as frases eruditas com Ruy Belo procura agadanhar Na Senda da Poesia (1969) os grandes filões desta arte, que é religião e mito, ilusionismo e música, ciência e pão, amor e morte. 

Cada poema (conforme deixei escrito em certo apontamento de 1998) é uma reedição do universo, cada um é a busca de uma ordem no caos permanente, a crença num lugar eterno como se crê num qualquer ponto abstrato, no movimento de cá para lá e de lá para cá do pêndulo. 

O dito apontamento, escrito em caligrafia descuidada, provavelmente embriagada pela recente leitura de Gilles Deleuze, num caderno muito sujo pela cinza dos cigarros, não é grande coisa, admito. Gostava de filosofar, de tentar dizer por palavras minhas o que outros haviam porventura escrito com solene profundidade. Mas ficou aí o meu Credo, lídima profissão de fé, que o tempo não viria senão a corroborar: 

«Nada em poesia é inócuo ou arbitrário. Nem sequer o silêncio que intervala as palavras, e as intervala entre o instante e o infinito. Nem sequer o modo como um homem ou uma mulher decidem viver para melhor a segregarem, como o fazem e o fizeram as límpidas abelhas de todos os tempos. Nada em poesia é inocente. Cada poema é um Big-Bang prodigioso. Somos poesia e à poesia havemos de tornar, não no fim, mas outra vez e sempre no princípio.»

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